sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Com a mão no trevo

Quem tem medo do Lobo Mau? Eu tinha, quando escutava os disquinhos (de vinil, a agulha beijando os sulcos no toca-discos da sala) com as historinhas de Walt Disney, lá pelos cinco ano de idade. E quem tem medo do Bicho-Papão? Eu tinha, com menos idade ainda, com a certeza de que ele habitava o infinito espaço vazio existente embaixo da minha cama, à noite. E de passar debaixo de uma escada? Eu tinha, porque dava azar. Por isso, nunca passei. Acho que nunca tive azar.
De gato preto nunca tive medo, pois sempre gostei de gatos e de bichos em geral. Até tive um gato preto de estimação, um dos mais inteligentes que já vi até hoje. Dava-me muita sorte. A sorte da amizade genuína, por exemplo. Foi na mesma época em que era comum nós, a gurizada, quando reunidos, especialmente nas festas de família, sairmos às voltas, ao ar livre, à procura de trevos de quatro folhas. Porque trevos de quatro folhas eram raros e davam sorte. Muita sorte. O personagem Gastão, primo do Pato Donald, era muito sortudo nas histórias em quadrinhos, porque possuía e encontrava trevos de quatro folhas. Eu queria ter a sorte do Gastão, por isso, procurava trevos de quatro folhas com muito afinco. Só encontrei de três folhas, e me sinto, por isso, um sujeito carregado com 75% de sorte, o que me parece um índice bem significativo e suficiente para enfrentar a vida.
Esses elementos inocentemente supersticiosos compunham o imaginário divertido de uma época que se assenta no passado há não muito tempo, e que acabou se perdendo. Hoje ninguém tem medo de gato preto, de Bicho-Papão ou tenta encontrar trevos de quatro folhas. Assim como pouca atenção se dá agora às Festas de São João (saíamos de carro em família em junho para observar as fogueiras) e às traquinagens de primeiro de abril (afinal, agora celebra-se o Halloween, obedecendo aos ditames culturais da matriz norte-americana). Criança não vai mais para a cama às nove horas da noite e nunca mais vi calçadas riscadas a giz ou pedra para o jogo da amarelinha.
Os tempos são outros, o mundo anda para a frente, e a nostalgia faz parte do pacote intangível do processo de amadurecer. Mesmo assim, não faz mal avisar, obedecendo aos ditames das responsabilidades de um cronista diário mundano: hoje é sexta-feira 13! Tens um trevinho de quatro folhas aí para emprestar?

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de novembro de 2015)

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