terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sob o Sol, à sombra

Nesses líricos e românticos dias primaveris, sempre que não chove fica convidativo flanar ao ar livre pelas ruas, parques, praças e esquinas de nossas cidades toda a vez que surge um tempinho, a fim de exercitar o culto a uma das estações mais queridas do ano. O frio já não corta mais nossas espinhas, apesar de às vezes ainda dar o arzinho da graça mesmo que de forma tímida, e o calor não torra perigosamente nossas cabeças, apesar de o morninho do sol ser disputado até por gatos e lagartos e flores.
É primavera, o inverno é coisa do passado e a perspectiva pela frente é a melhor possível, com o verão já de passagem comprada e pronto para aparecer em poucos meses, o final de ano a duas folhinhas do calendário e o litoral, pelo que a gente lembre, tem praia, areia e caipirinha. Tudo parece lindo e resolvível em um amanhecer de segunda-feira ensolarado e primaveril como foi o de ontem aqui em Caxias do Sul e até os cronistas diários mundanos se vergam à influência do clima e aliviam o peso das batidas no computador, cujas letrinhas se embaralham com o reflexo intenso dos raios do sol e – raios! – é preciso baixar um pouco a persiana da janela a fim de puxar um pouco de sombra que possibilite visualizar melhor o teclado e seguir escrevendo. Mas, afinal, o que queremos: sol ou sombra?
Caminhar na rua acompanhado, nesta época do ano, atitude tão mansa, pode engendrar um pequeno dilema: ir pelo sol ou pela sombra? O sol não está tão quente, mas o sol é sempre o sol; a sombra não está tão fria, mas sombra sempre fica na sombra. Por onde deve trilhar aquela dupla ali, ele temeroso dos efeitos dos raios ultraviolentos que não dão trégua nem em dias nublados; ela, fissurada pelo processo de ativação da melanina que lhe dourará a pele de forma fácil e rápida? Ele, um vampiro das sombras; ela, uma gata desejosa de refestelar-se em zinco quente. O que fazer? Um grande drama acinzentará o horizonte primaveril do casal? É a ponta de um novelo de discordâncias?

Ora, nada disso, amigo leitor, estimadíssima leitora. Nesta época do ano, as soluções saltam das sombras e reluzem ao sol. Foi para isso que a natureza esticou o comprimento dos braços. Dão-se as mãos os dois então, espicham os braços e cada um caminha em seu lugar preferido da calçada: ele à sombra das marquises, ela ao sol da beira da calçada. Afinal, é primavera.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de outubro de 2015)

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