sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O balconista embrulhado

Hoje é o Dia do Balconista. Eu já fui balconista. Isso foi há muito tempo. Muito, muito tempo atrás. Obviamente que não segui a carreira de balconista, apesar de essa atividade ter se configurado como o meu primeiro emprego. Muito tempo atrás, e por pouco tempo. Mesmo assim, aceito orgulhosamente os parabéns pela passagem da data comemorativa, por parte de quem quiser parabenizar-me. Obrigado, obrigado. Mas eu não mereço.
Não mereço porque não fui um representante competente desta categoria profissional. Nas três ocasiões em que me dediquei a atuar no ramo, colecionei atrapalhos capazes de fomentar um livro cômico ou uma típica crônica mundana daquelas que certo cronista costuma publicar neste jornal, neste exato espaço, vez que outra. Só o que ouso adiantar é que, sobre o balcão no qual atendia na adolescência, durante as férias escolares, cuidando do negócio de secos e molhados de um tio-avô que se tocava para a praia, fiz misérias sob os olhares incrédulos da freguesia que meu parente tanto suava para conquistar ao longo do ano. Pergunte ao balcão, algumas marcas ainda devem estar por lá, na distante Ijuí.
O problema mesmo era na hora dos embrulhos, de fazer os pacotes contendo os produtos que o cliente adquirira. Aquela coisa de dobrar o papel pardo, de enfileirar direito os vidrinhos, de acertar a fita durex, de... Bom, deixemos prá lá, que a tônica aqui hoje é outra. Os detalhes ficam por conta da imaginação do leitor que, tenho certeza, jamais conseguirá se aproximar do que foi a triste realidade. Aquela cena de o cliente saindo da loja e o barulho dos vidros se espatifando contra a calçada instantes depois e... Mas, já disse, deixemos prá lá!

O que importa é que desisti da carreira de balconista (o cliente voltando para a loja, a fumacinha saindo pelas suas orelhas...) e fui me dedicar a atividades mais afins com minha verdadeira vocação (a forma como socava o balcão, exigindo a reposição dos produtos...), porque um dos segredos da vida é justamente saber identificar em si (a suprema humilhação de o cliente exigindo que o novo pacote fosse feito por qualquer um da loja, menos eu...) as aptidões que lhe vão trazer realização pessoal ao longo da vida (e eu olhando a destreza com que o colega empacotava, ele, sim, um balconista de verdade!). Afinal, há um galho específico à espera de cada macaco.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de outubro de 2015)

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