quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Olha o moranguinho!

E então, na esquina, o homem tenta vender moranguinhos. Estacionou o carro, abriu o porta-malas, escorou dentro dele as caixas de papelão de forma a deixar a vermelhidão reluzente e sedutora das frutinhas à vista de todos e caiu na informalidade. Mas vê-se logo que não tem jeito para a coisa. Caminha de um lado para o outro com uma das caixas na mão e a oferece timidamente à moça que passa, ao motorista que para ao sinal, ao aposentado que meneia a cabeça em silenciosa recusa.
Uma recusa que grita e ecoa fundo na alma do mais novo vendedor de moranguinhos da cidade. No rosto, a desolação fica evidente. O que será que fazia antes? Metalúrgico? Comerciante? Um desempregado devido à estagnação da economia? Para saber, só perguntando. Não ouso e sigo a observar. Ele não é do ramo, nem das vendas em rua, nem dos morangos in natura, tampouco das artes da abordagem ao ar livre. Seu corpo fala. Às vezes, parece que desiste. Larga a caixa no porta-malas ao lado das demais, coloca as mãos na cintura e dá voltas ao redor de si mesmo, enquanto observa o movimento da cidade apressada, os olhos fitando um ponto ao longe, onde talvez vislumbre a esperança.
A desolação dura pouco. Logo volta a empunhar a caixa de morangos robustos, nitidamente transgênicos, e retoma a calçada, as energias de vendedor renovadas, vai que tenha identificado na multidão o aproximar de um cliente em potencial. Mas o cidadão cruza e a caixa de morangos segue ignorada. A recusa dói na alma. Na dele e na minha, abrigada atrás de uma taça de cappuccino que provavelmente custa o mesmo que sua caixa de morangos que, se não forem vendidos, restarão mofados e desprovidos de poesia.

Agora, sentou-se sobre o engradado de plástico emborcado ao lado do carro e deixa o olhar vagar perdido mais um pouco. Eu não poderia afirmar, mas acho que foi meio automático o seu gesto de, alheado em pensamentos, pinçar da caixa um morango e metê-lo na boca. É quando leva um sobressalto com a cutucada da rapariga em seu ombro: “moço, quanto custa o morango?”. Ah, vitória! Vendeu uma caixa! Talvez não seja tão sinistro assim, afinal, aquilo que lhe reserva o destino nessa sua nova fase de vida. Termino meu café, pago e saio à rua, determinado a não deixar na unidade a experiência de venda do vendedor de morangos. Compro também eu uma caixa e sigo para casa. Mas, pena, os morangos são ruins. Tomara que saiba também vender flores...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de setembro de 2015)

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