quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A arte da navegação

Dizem os calendários e os almanaques que hoje, 30 de setembro, celebra-se o Dia Mundial da Navegação. Dito assim, sem ir mais a fundo na origem da data e nas intenções da homenagem, pode-se navegar na maionese e atribuir à efeméride uma plêiade (ah, os dicionários!) de significados que singram (ah, os trocadilhos) muito além das obviedades marítimas. Porque o Dia Mundial da Navegação, hoje em dia, pode se referir não só a marujos e capitães espiadores de escotilhas, mas também aos internautas que passam a vida a navegar pelas vastidões oceânicas do mundo virtual. E inclusive a seres esquisitos como eu, que navegam pelas páginas da literatura.
Tirando aquelas vezes na infância em que fui levado por meus pais às praias de Camboriú e de Cassino a fim de molhar os pés e os gambitos nas marolas da beira-mar, a primeira vez que naveguei mesmo em alto-mar foi na companhia do velho pescador Santiago, acomodado na canoa em que travou a batalha de vida e morte contra o enorme marlin que Ernest Hemingway tão bem retratou nas páginas de seu “O Velho e o Mar”. Anos mais tarde, passeei pelos sete mares a bordo do Pequod, testemunhando a insânia do Capitão Ahab na caça ao cachalote branco Moby Dick, na alucinada e inebriante obra homônima de Herman Melville. Começava assim a entender o significado das palavras contidas no verso famoso de Fernando Pessoa, de que “navegar é preciso, viver não é preciso”, como metáfora para a existência.
Depois amargurei as agruras de Ulisses a bordo da Argos, repleta de argonautas, em sua longa e atribulada jornada marítima de volta para casa em Ítaca, após sair-se vitorioso na Guerra de Troia. Aquilo também não foi nada fácil. Mas a bordo da nau capitânia da armada de Pedro Álvares Cabral, vivi emoção ímpar ao espiar pelo ombro do escriba Pero Vaz de Caminha quando ele registrava em suas cartas as emoções da descoberta das novas terras situadas do lado de cá do Atlântico.

Essas minhas grandes navegações literárias só encontraram eco quando finalmente passeei de fato em alto-mar a bordo do navio de cruzeiro Monarch, que me levou a saborear as cristalinas águas do Mar do Caribe, no ano passado. Ah, “o mar, o mar”! A simbologia de sua vastidão é quem está de parabéns nesta data, a inspirar as aventuras de quem o singra a bordo de barcos, de computadores e de livros.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de setembro de 2015)

Nenhum comentário: