sábado, 22 de agosto de 2015

O suor da competência

Você vai a um espetáculo de dança e sai de lá plenamente encantado com a leveza dos bailarinos, com a sincronia dos gestos em relação à música. Você vai a uma peça de teatro e sai de lá apaixonado pela atuação dos atores, pelo ritmo das cenas conduzidas pelo diretor, pela qualidade dos cenários. Você vai a uma galeria de arte e sai de lá hipnotizado pelo toque de gênio do artista, que retrata o mundo e as sensações com formas e cores nas telas. Você lê um bom livro e aplaude o escritor; escuta uma música magistral e endeusa o músico e o letrista; saboreia um bom vinho e tece loas ao enólogo; desfruta um manjar dos deuses e quer abraçar o chef.
Você é generoso em elogios sempre que se vê bem servido em termos de qualidade absoluta, em todas as áreas de atuação humana. E isso é muito bacana de sua parte. Mas, como nem tudo é perfeito, você comete um erro de avaliação, quase sempre, ao julgar que é tão fácil fazer essas coisas todas, tão belas e perfeitas, que até você seria capaz de igualá-las. E é aí que mora o perigo. As aparências enganam, e isso é um dos atributos essenciais de tudo aquilo que é aparente. Tudo aquilo que soa perfeito aos nossos olhos, realizado pelos outros, parece estar sendo feito com extrema facilidade e, por isso, soa como passível de ser igualado. Ledo engano.
A perfeição dos gestos do artista, dos textos do escritor, da sonoridade da música, dos sabores dos pratos e de tudo o mais, que acaba soando tão simples, decorre de um grande e essencial segredo: o trabalho árduo, a dedicação e o supremo esforço. Só assim o artista e o especialista conseguem realizar com aparente facilidade aquilo que acaba soando belo e perfeito. Faça um teste. Vá a um restaurante de sua preferência e peça aquele maravilhoso filé ao molho madeira, que você tanto aprecia. Depois, vá para casa e, no dia seguinte, tente fazer em sua cozinha um prato igual. Será que vai conseguir? Você sabe as manhas para obter um filé suculento mas não cru, frito mas não sola-de-sapato, saboroso mas não salgado demais?

Em todas as atividades existem os truques e a perfeição só é alcançada depois de muito treino e suor. É por isso que o artista é artista e o público aplaude. Se não podemos ser artistas, que saibamos exercer com perfeição a arte de aplaudirmos quem de fato o é. Eis também aí uma arte.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de agosto de 2015)

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