sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O alerta da válvula

Comecei a ler um livro de ficção-científica intitulado “Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?”, escrito por um dos grandes papas literários do gênero, o norte-americano Philip K. Dick (1928 – 1982). Sempre tive curiosidade de ler a obra, especialmente pelo fato de ter sido ela a inspiração a partir da qual o cineasta Ridley Scott teceu o argumento para a produção de um cult cinematográfico do século passado, “Blade Runner – O Caçador de Androides” (1982), estrelado por Harrison Ford.
O livro foi escrito em 1968 e a história é ambientada no então futurístico, longínquo e distante ano de 1992, quando a Terra já foi chacoalhada por uma devastadora Terceira Guerra Mundial que espalhou uma inesperada poeira radioativa e esterilizante sobre todo o planeta, obrigando a maioria dos sobreviventes a migrarem para planetas vizinhos, colonizando-os. Quem preferiu ficar na Terra, ralou-se, mas, mesmo assim, muitos decidiram permanecer, incluindo o herói da saga: Rick Deckard (Harrison Ford, no cinema), o caçador de androides.
O serviço de Deckard é exatamente este: caçar, identificar e eliminar os androides que desgarram de Marte e vêm se misturar com os humanos que ficaram na Terra. Como são quase perfeitos, os robôs são difíceis de identificar, pois agem como humanos, sentem como humanos, falam como humanos, amam e odeiam como humanos, e aí é que reside a graça da história toda, tanto nas telas quanto nas páginas. Tudo muito bem, mas o que me chamou a atenção, já no início do livro, foi a permanência de uma situação típica dos anos 1960 que o autor não conseguiu superar em sua aventura imaginária de criar um mundo futuro.

O personagem liga a televisão e fica pensando na vida enquanto aguarda a válvula do aparelho esquentar para trazer-lhe o som e a imagem. Philip K. Dick conseguiu imaginar um futuro mirabolante em que os seres humanos habitam Marte e possuem androides racionais, porém, não conseguiu fazer evoluir seus televisores de tubos com válvulas para nada sequer similar às telas planas de plasma com trocentas polegadas que possuímos hoje. Óbvio que o mérito da obra de Dick reside muito além desses pequenos penduricalhos cênicos que soam estranhos aos olhos de quem sobreviveu a 1992. O que fica, na verdade, é o alerta de que somos realmente incapazes de prever com exatidão o que o futuro nos reserva. Até porque, somos nós mesmos quem o moldamos, à nossa própria imagem.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de agosto de 2015)

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