quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Chegaram os androides

A senhorita Luba Luft, renomada cantora lírica, visita uma exposição de quadros famosos em uma galeria de arte. O que ela busca ali é sentir emoções, tentar vivenciar aquilo que o contato com a estética das artes é capaz de proporcionar ao espírito. De repente, ela é abordada por Rick Deckart, o caçador de recompensas. Luba Luft é o alvo de Deckart. Se ele a caçar, obterá a recompensa.
 Mas, antes de qualquer coisa, Deckart acompanha Luba Luft em seu flanar pela galeria, e a observa namorar um livro que contém reproduções das telas do pintor norueguês Edvar Munch (1863-1944), a quem ela mais admira. Deckart decide comprar o livro e oferece-o de presente a Luba, que fica impressionada com o gesto. Um gesto que somente seres humanos são capazes de apresentar, uma vez que seres humanos sentem empatia pelas demais criaturas. Até mesmo por ela, Luba Luft, uma androide, que está sendo perseguida por Rick Deckart, o caçador de androides, conforme a narrativa do livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, escrito pelo norte-americano Philip K. Dick (1928-1982) e que inspirou o filme Blade Runner (1982).
A diferença, portanto, entre seres humanos e androides, reside na capacidade humana de ter empatia, esse sentimento que nos permite imaginar o que o outro está sentindo, de sofrermos e de nos alegrarmos com o sofrimento e com as alegrias dos nossos semelhantes. Em outras palavras, sabemos “nos colocar no lugar do outro”, capacidade que os androides da ficção-científica na literatura e no cinema não possuem. Androides não conseguem se colocar no lugar do outro e, portanto, agem de forma individualista, egoísta, robótica e desumanizada.

Eis aí, na ficção-científica, a chave para compreender o mundo real no qual estamos inseridos. Os androides existem e já estão entre nós. Eles são os motoristas que se colocam no trânsito como se estivessem sozinhos; são os corruptos que roubam o dinheiro público que serviria para a saúde e a educação da população; são as pessoas que descumprem as leis; as que furam as filas, as que abusam dos “jeitinhos”, as que só pensam em si mesmas. São as que torturam e matam, são as que agridem, são as que fazem bullying, são as que discriminam as diferenças, são as intolerantes, são as sacanas. Estamos cada vez mais cercados por androides. Tomara que a ausência de empatia não seja um mal contagioso. Precisamos urgentemente nos vacinar com doses cavalares de humanidade.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de agosto de 2015)

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