sábado, 11 de julho de 2015

Precisamos saber viver

“É preciso saber viver”, não é mesmo? Quem cantava esse refrão? Titãs? Não. Quer dizer, sim: os Titãs regravaram a música, mas a gravação original é do Roberto Carlos, aliás, autor da letra, singela e simples, direta e genial. “É preciso saber viver”, vamos cantarolando junto com a música enquanto o carro avança mais dois metros no engarrafamento pós-meio-dia. Eu, com minha voz desafinada de urso acordando na caverna após seis meses de hibernação, estrago a melodia e minha esposa discretamente aumenta o volume do aparelho, afinal, ela preza os ouvidos e, como diz a música, é preciso saber viver de verdade, agora sem as aspas.
O sinal abre, nenhum veículo à frente se mexe. Por quê? Vamos lá, vamos lá, já é quase uma da tarde e ainda estamos distantes vários quilômetros da meta. Apenas o primeiro carro da fila avança. Alguém buzina. Outro imita. O sinal fecha. Ficamos todos parados de novo. “Toda pedra no caminho/ Você deve retirar/ Numa flor que tem espinhos/ Você pode se arranhar”, segue a música. Aquele carro do início da fila era uma pedra no caminho, imóvel. Não era uma pedra rolante. Saco. Mas, calma, é preciso saber viver, porque “Se o bem e o mal existem/ Você pode escolher/ É preciso saber viver”.
Vem o refrão de novo e eu me entusiasmo: “É pre-eciso sa-bê vivê-êêê!/ É-é pre-e-cii-sô sa-bêê vi-vê-êê/ Sa-bê vi-vê/ Sa-bê vi-VÊÊ!”. Minha esposa me olha estranho e faz subirem as janelas do carro, por precaução. A motorista emparelhada ao lado no chiquérrimo Beetle amarelo me encara, espantada. Ora, mas que gente, parece que não sabem vi-vê! Eu me calo e foco no sinal, que abriu, de novo. “Vomo,vomo”, penso comigo, empurrando mentalmente a fila composta por veículos dirigidos por gente com pressa em um trânsito que não anda. De fato, não andamos sabendo viver. Aliás, nesse trânsito engarrafado, não andamos e não sabemos viver.

Mas minha esposa sabe. Como o trajeto diário de casa até o local de trabalho é composto por cerca de dez quilômetros, ela está aproveitando os cerca de 20 minutos de deslocamento para fazer a maquiagem dentro do carro, já que o chofer sou eu. Assim, ganhamos tempo e qualidade de vida. O mundo muda, e, do início ao fim, temos de ir reaprendendo a viver.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de julho de 2015)

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