sexta-feira, 3 de julho de 2015

O despertar da pessoa

Existe um momento na vida de cada um de nós em que se dá aquilo que meu sogro denomina como “o despertar da pessoa”. Trata-se de um lampejo súbito, como o clarear da mente em relação à sua posição no universo, ao sentido de sua própria existência, ou mesmo em termos mais prosaicos e aparentemente simples como uma mudança de rumo, o abandono de um mau hábito, o que for. “O despertar da pessoa”, seja ele na intensidade em que se der e direcionado ao assunto que for, sempre se caracterizará por uma espécie de desobstrução do sol em um céu carregado de nuvens.
E não existe idade específica para que essa espécie de insight aconteça. Na verdade, se formos analisar mais a fundo, chegaremos à conclusão de que é possível até mesmo haver uma série de despertares ao longo da vida de algumas pessoas, mesmo que elas não se deem por conta disso. Você passou muitos anos de sua vida dirigindo seu automóvel até o dia em que o acaso o depara com a necessidade de trocar um pneu furado, coisa que até então você jamais havia tido a necessidade de fazer, ou porque os pneus não furavam, ou porque sempre havia alguém que os trocasse por você. Então você desce do carro, bota a mão no macaco e voilá! Troca o pneu com uma destreza e uma habilidade que jamais imaginava existirem latentes ali dentro de você. Você aprecia o suor escorrendo pela sua testa enquanto desaperta os parafusos da roda, você sente uma sensação prazerosa nas mãos que vão se sujando de graxa, você treme com a sensação do toque na borracha do estepe. E, quem diria: súbito, você se vê um exímio trocador de pneus furados, e já pensa em largar a carreira médica e abrir uma borracharia ali depois da curva do quilômetro oito! Deu-se então um inequívoco despertar da sua pessoa!

Meu afilhado de três anos de idade, por exemplo, já anda exercitando o inglês que está aprendendo na escolinha, a julgar pelo sonoro “ailoviú” que dispara a torto e a direito para pais, dindos, profes e demais entes queridos de suas relações. Está a despertar para uma língua estrangeira desde cedo, aquele pequeno pedacinho de pessoa. Muitos outros despertares aguardam por ele ao longo da trajetória pessoal que está a dar início. Importante é saber estar atento aos mais significativos desses despertares, evitando assim o risco de passar a vida sonambulando.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de julho de 2014) 

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