terça-feira, 7 de julho de 2015

Mãos de tricoteira

Tudo na vida é relativo, já dizia Einstein décadas atrás, ao raciocinar sobre as coisas do mundo. E é mesmo, afirmo eu, décadas depois, consolidando assim, com minha anuência, a credibilidade do cientista famoso. “Ego também é uma questão de relatividade”, pensará o leitor crítico destas sempre mal-digitadas, e ele está certo também. Mas, vamos aos fatos, porque, sem eles, não haverá aqui crônica alguma e melhor seria passarmos logo ao almoço.
Tudo é relativo, dizíamos Einstein e eu. Vejam só: minhas mãos, por exemplo. Não é preciso ser versado em ciências biológicas ou anatômicas, muito menos possuir dons detetivescos de observação especial, para detectar, a partir de uma rápida olhada sobre elas, que tratam-se de mãos que jamais pegaram no cabo de uma enxada. Sim, minhas mãos são aquelas típicas mãos-de-fada, expressão de cunho pejorativo utilizada especialmente na roça e na colônia para fazer referência aos primos da cidade (eu sempre fui um primo da cidade, mesmo jamais tendo tido primos que morassem na colônia), que chegam com aquelas mãozinhas fininhas, branquinhas, lisinhas, desprovidas de calos e de arranhões, que jamais foram cortadas por arame farpado, jamais foram furadas por espinhos e rosetas, jamais colheram urtiga ou engoliram farpas de lenha.
Minhas mãos são dessas mãos de moça, mãos de donzela, imaculadas, alvas, polvilhadas com dedinhos babacas que tremem ao empunhar um martelo e ficam com cara de samambaia se lhe metem por cima um serrote ou uma chave-de-fenda. Mãos de pianista sem nunca terem dedilhado um piano; mãos de tricoteira sem saberem reger uma agulha; mãos de vidro, de cristal, de açúcar; mãos que abrem o berreiro se um palito de fósforo lhes queima a ponta do dedo, sim, são assim minhas mãos, admito.

Mas como tudo na vida é relativo, eis que surgem finalmente os ipads e os smartphones, com suas câmeras fotográficas digitais e seus botõezinhos milimétricos, criados especificamente para proporcionar a redenção da masculinidade de meus dedos. Sim, ao pegar um desses aparelhos e tentar bater uma foto, meus dedinhos viram dedões destroncados, apertando os lugares errados e teclando tudo junto ao mesmo tempo, atabalhoadamente. Finalmente consigo ser pelas mãos o troglodita que a relatividade há tanto tempo esperava de mim.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de julho de 2015)

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