quinta-feira, 16 de julho de 2015

Foi-se embora não se sabe para onde

Alô? Ah, oi, Otília, é você, de novo. Pois então, é como eu estava te contando, eu não entendi direito pra onde é que ele foi. Mas acho que viajou mesmo, porque entrei hoje de manhã e ele não estava e normalmente ele ainda está em casa quando eu chego, ou deixa bilhete. Mas, dessa vez, nada. Só que eu me lembro, Otília, que na semana passada ele andava dizendo que me parece que ia embora. Pois é, também acho estranho, mas fazer o que, criatura, tô só te contando o que eu sei.
E vou te falar mais uma coisa, porque agora, lembrando melhor das coisas, semana passada ele estava mesmo um pouco esquisito. O quê? Não fala assim, Otília, ahahah! Você não presta, mesmo, fazer piada numa hora dessas, de que ele era sempre meio esquisito! Ahah! Mas assim, ó, me escuta, mulher. Esquisito porque ele andava falando que ia embora, mas não falava de um jeito normal, tipo “amanhã vou embora”, ou “tô indo embora”, como se falaria, mas declamava meio pomposo e repetia sempre da mesma forma, dizendo “vou-me embora pra não sei onde”, e dizia o lugar pra onde iria embora, mas eu não me lembro direito, era um nome assim meio que de pássaro, parece. “Vou-me embora pra não-sei-onde, porque lá isso e lá aquilo”, e ficava repetindo.
Hein? O quê? Sabiá? Se o lugar tinha nome de sabiá, que é pássaro? Não, acho que não, Otília. Mas agora lembro que ele também vinha falando de sabiá, desse jeito pomposo. Falava de uma terra dele que ele tinha, acho que quando era criança, onde cantava o sabiá. Acho que ficava na praia essa terra, porque tinha palmeiras e cantava o sabiá. Será que ele voltou pra lá, amiga? O que mais ele dizia? Ah, que ia-se embora pra esse lugar e que era amigo do dono de lá, e até podia escolher a cama, porque tinha muita cama lá, pra dormir na que quisesse. Um spa? Acha que ele foi pra um spa, Otília?

Mas olha, que até pode ser! Agora tô me lembrando melhor, o que ele dizia: “Vou-me embora pra Spa...”, e dizia o nome do spa... “Spa Sárdala”, será que é isso? Será que existe? Procura na internet, tu que mexe com essas coisas. Ele disse que lá era amigo do dono, que era rei de lá, e ele ia escolher a cama em que dormiria e a mulher dele já estaria lá esperando, acho, alguma coisa assim. Foi-se embora pra esse spa. Ou voltou pra terra dele em que canta o sabiá na palmeira, das duas, uma. Devo avisar a polícia, Otília?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 16 de julho de 2015)

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