quinta-feira, 9 de julho de 2015

Andando nas nuvens

Tenho visto 50 tons de cinza pela janela de meu quarto, dia após dia, nos amanheceres desses invernais dias de julho. O início de inverno neste 2015 decidiu nos brindar, aqui na Serra Gaúcha, com uma sucessão incansável de neblina, de cerração, de nevoeiro, cada uma dessas denominações acarretando um tom de cinza diferente, com todas as suas nuances que vão mudando de acordo com a hora do dia, daí os 50 ou mais tons perfeitamente verificáveis por quem tiver olhos para ver, sensibilidades para detectar, imaginação para mergulhar fog adentro.
Mesmo quem nunca esteve em Londres é capaz de sentir-se caminhando por ruas londrinas ao subir ou descer a Avenida Júlio de Castilhos de manhã cedinho sem enxergar nada dois palmos adiante de seu nariz, devido à intensa e cerrada cerração. Isso porque o termo “fog londrino” já se transformou em conhecimento arquetípico, em memória cultural coletiva universal, e somos todos londrinos, em qualquer lugar do mundo que seja abraçado por uma intensa neblina que remeta as mãos aos bolsos, enterre os pescoços golas adentro, acelere os passos pelas calçadas e espalhe pelas ruas um intenso tráfego de narizes transformados em chaminés ambulantes.
É como caminhar nas nuvens. Estamos no interior de uma carregada cumulus nimbus que desceu das alturas para ver como andam as coisas aqui na superfície, cansada de apenas observar do alto as agruras pelas quais passam os cidadãos dessas terras estranhas movimentadas por formiguinhas vestidas e apressadas. As nuvens descem momentaneamente de seus pedestais celestes e vêm aqui respirar um pouco de humanidade, para logo se dissiparem e tornarem a se reagrupar lá em cima, preferindo sempre, me parece, a companhia dos anjos, dos urubus, dos picos dos cerros e dos aviões que as perfuram e fazem-lhe cócegas.

Mas gosto desses dias cinzas, especialmente pelas surpresas que o andar pelas ruas emparedadas pela neblina proporcionam. Ontem, por exemplo, surgiu-me defronte, em uma esquina, um amigo que há tempos eu não via. Desembarcou à minha frente do meio da névoa como se descesse de um portal do tempo. Cumprimentamo-nos e desaparecemos ambos logo em seguida, engolfados pelo cinza de nossas neblinas particulares, cada qual em seu tom. O meu, um pouco mais ensolarado com o caloroso reencontro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de julho de 2015)

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