segunda-feira, 1 de junho de 2015

Teoria do chinelo

É preciso encontrar assunto para compor uma crônica por dia, todos os dias, quando se é cronista diário de um veículo de comunicação diário como é o caso deste cronista neste veículo, o jornal Pioneiro. Há aqueles assuntos que saltam no colo do cronista porque estão na pauta do dia, porque “só se fala em outra coisa”, como diz um amigo meu lá de Nova Bréscia. Temas que não podem ser ignorados e que ficam martelando na cabeça. Esses são fáceis, surgem logo e basta encontrar um viés diferente a ser abordado e pimba: está pronta a crônica, basta levá-la ao forno por trinta minutos e servi-la aos leitores.
Mas o que fazer quando o dia amanhece como sendo um daqueles em que nenhum desses temas escaldantes pipoca e nada salta ao colo do desolado e solitário cronista? Ora, elementar, meu caro leitor: o cronista, que não nasceu ontem (cronistas que se prezem precisam ter nascido já há algum tempo, sob o risco de escreverem crônicas imberbes), sempre tem guardado em um saquinho (eis aí uma revelação) um punhado de papeizinhos contendo anotações que podem vir a servir de tema para crônicas quando a inspiração estiver falhando. É assim que funciona.
Dia desses, por exemplo, tive de lançar mão ao tal do saquinho, guardado no fundo de uma das gavetas da escrivaninha (“percebi desde o princípio”, devem estar pensando os leitores mais atilados, desde o início da leitura destas mal-digitadas linhas de hoje). E aí fui abrindo os papeizinhos um a um, na busca de algum tema que me inspirasse algo, até me deparar com um que dizia assim: “passamos a vida inteira empenhados em mover os objetos de um lado para o outro em nossas casas, já que objetos são imóveis”. “Ahá, eis um tema para tecer uma típica crônica de cotidiano! Vamos lá”, pensei eu, e lá fui eu!
Bastava calçar os chinelos e... Epa, cadê o pé direito de meu chinelo de lã? Sumiu! Não teve jeito, desapareceu por completo durante a calada da noite, deixando só, ao lado da cama, o pé esquerdo, que me conduziu, mancando, até o computador, de onde pus-me a digitar esta que agora leem. Já o pé direito do chinelo apareceu mais tarde dentro da máquina de lavar roupas, para onde havia se dirigido ninguém sabe como, deitando por terra minha teoria de que objetos não se movem e eliminando uma possibilidade de boa crônica. Assim fica difícil...


 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de junho de 2015)

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