terça-feira, 23 de junho de 2015

Na China não, cão

Guri, Balú, Ufo, Chiquinho, Bolinha, Sherlock e Dibolinha são seres que têm muito em comum, talvez mais em comum do que possa cada um deles imaginar, em suas vãs filosofias caninas. Caninas, sim, porque tratam-se de cachorros, cães, cuscos, guaipecas, como se dizia em relação a alguns deles lá em Ijuí, anos atrás, quando eu era criança e cultivava a estimação de amigos caninos em nossa casa na Rua dos Viajantes. Plantada em meio a um pátio gigante, nossa residência era alegrada diariamente pela presença de animais de estimação de várias espécies, nunca tendo faltado cachorro.
Essa turma citada ali em cima perfaz o grupo dos amigos cães que viveram conosco ao longo de cerca de um quarto de século, alguns sucedendo outros, um que outro convivendo, tendo Balú sido o mais longevo, o ancião, o sábio da aldeia, que repassava aos neófitos as dicas sobre como viver e se dar bem ali naquela casa. Ser cão e dar-se bem em nossa casa era tarefa muito fácil, bastava ser simpático, latir e abanar a cauda, uma vez que éramos todos naturalmente afeiçoados a cachorros, gatos, peixes de aquário, tartaruguinhas, passarinhos, boizinhos e até galinhas (houve uma que viveu em estimação lá em casa, o Soiza, assim batizado por ter eu imaginado-o galo enquanto pinto e ter-se revelado ruiva galinha semanas depois, e a manutenção do nome eternizava meu erro de avaliação de gênero aviário). Nunca tivemos papagaio nem caturrita, talvez por falta de tempo, muito menos calopsita e iguana, que são bichos cuja estimação teve início mais recentemente, mas chegamos a namorar a ideia de adotar porquinhos-da-índia e hamsters.

Havia também bichos que nos adotavam de surpresa, como a macaquinha-prego Chica, que surgiu sabe-se lá de onde e foi se instalar nas árvores do matinho vizinho ao nosso pátio, vindo dar bom-dia e receber frutas e pão de presente lá em casa todos os dias, para alvoroço de Balú, Ufo, Soiza e o resto da galera. Recordo isso tudo no momento em que leio a aterradora notícia de que há na China um festival anual para celebrar o solstício em que mais de dez mil cães são abatidos e servidos de almoço. Que horror. E que sorte a de Guri, Balú, Ufo, Chiquinho, Bolinha, Sherlock e Dibolinha a de não terem ido ser cachorros na China. Nem sempre a gente tem consciência das sortes que carrega.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de junho de 2015)

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