sexta-feira, 5 de junho de 2015

Fórmula indigesta

Até pode ser que a receita escolhida para o formato dos programas gere uma audiência astronômica, deixando alegres os anunciantes e mais faceiras ainda as emissoras televisivas, porém, não adianta, eu não consigo engolir e agradeço, passo batido. Até já tentei assistir a alguns desses reality shows que giram em torno do universo da gastronomia, com equipes competindo pelo posto de melhor chef da temporada, porque aprecio a arte culinária, sou um cozinheiro amador que adora pilotar panelas e frigideiras no aconchego de minha cozinha, mas não dá, não consigo digerir o clima de terror que não sei por que cargas d´água é a tônica dessas atrações.
O que vejo nesses programas é uma turma de renomados chefs brasileiros e internacionais gritando impropérios contra pseudocozinheiros de fundo de quintal, que vão enterrando os barretes cabeça adentro, escondendo as orelhas e a vergonha quando recebem xingamentos estratosféricos porque o ovo passou demais, a carne não ficou ao ponto, o molho holandês ficou com cara de sueco, o caldo entornou e não adianta chorar sobre o leite derramado. O que vejo é um acúmulo de tensão que vai crescendo ao ritmo de deselegâncias, de grosserias, de berros. Lamento, mas gastronomia e cozinha não têm nada a ver com isso, não há jeito de eu encontrar um ponto de convergência pessoal que me faça permanecer mais do que 30 segundos em frente a um programa desses, por mais que possam vir a me interessar as receitas e os modos de fazê-las. Não dá.
Já participei de cursos de gastronomia, nos quais o clima reinante é de alegria, de confraternização, de compartilhamento de um prazer comum entre pessoas afins, que estão ali para desvendar juntas as maravilhas e os segredos prazerosos da alquimia da transformação dos alimentos em sabores, odores, texturas. Cozinhar é uma arte e, como arte, é uma via de expressar humanidades. Até pode ser que haja no mundo pessoas encarceradas em situações nas quais acabem cozinhando com raiva, mas isso é uma exceção. Quando o assunto é gastronomia, a trilha sonora é a paixão, o amor, a delicadeza que essa arte sutil e agregadora requer.

Competições gastronômicas regadas ao molho da grosseria só podem gerar banquetes indigestos. Tô fora. Aliás, ainda não pensei na janta...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de junho de 2015)

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