quarta-feira, 24 de junho de 2015

Espelho meu

Acho que tudo tem a ver com a forma como você enxerga a si mesmo, sei lá, pois que não sou psicólogo, apenas sinto algumas coisas, percebo outras, imagino inúmeras, cometendo muitos erros e celebrando os poucos acertos. “Aprenda em silêncio com os erros para poder exibir os acertos”, já dizia não sei quem, e nem sei se de fato alguém o disse, sendo essa talvez outra das minhas imaginadas, mas deixa isso prá lá, afinal, “nem tudo que seduz é couro”, como dizia minha avó.
Mas eu pensava sobre essa questão da forma como você enxerga a si próprio, especialmente as formas como você não vê a si mesmo, aquilo em que você acredita que seu perfil não se encaixa. “Senhor Marcos”, por exemplo, é uma forma de tratamento que me desconcerta, me causa desconforto, me traz estranhamento e não sei dizer o motivo. “Senhor, eu?”, exclamo a mim mesmo, quando recebo essa forma respeitosa de tratamento, especialmente advinda da galera mais jovem, e a cada ano que passa, a cada novo chumaço de cãs que se assenta sobre minha cada vez mais calva cabeça, aumenta a proporção de “mais jovens” ao meu redor, e vou assim me estabelecendo como “senhor Marcos”, logo eu, que sempre fui Marcos, apenas Marcos, Marcos somente.
Para meu avô materno, sempre fui e sigo sendo o “Maco”. Para os colegas de escola, eu era o “Kirst”, já que havia na turma meia dúzia de Marcos e o sobrenome nos individualizava. Para meus pais, eu era o “Marcos Fernando” quando fazia arte e era chamado às contas. Na verdade, nessas ocasiões, eu era o “Mar-cos Fer-nan-do!”, se é que percebem a nuance da diferença de tratamento. Eu me arrepiava quando me transformava em “Mar-cos Fer-nan-do”. Para minha esposa eu sou o... Epa, calma, uma coisa é fazer crônica partindo do pessoal para atingir o universal; outra, é revelar que minha esposa me chama de... Nananina, leitor, vá ver se o Maco está na esquina!

Certa vez, ainda estudante universitário em Santa Maria, no frescor dos meus vinte e ralos anos, um menino de rua pedindo esmolas me abordou dizendo “ô, tio, tem um troquinho aí?”. Troquinho eu tinha e dei-o, mas, “tio”, eu? Pô, e o respeito? Só que era exatamente isso: uma questão de respeito. Sim, senhor, Marcos, é tudo uma questão de respeito. Ou então, sem a vírgula: Sim, senhor Marcos, é tudo uma questão de respeito.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de junho de 2015)

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