segunda-feira, 8 de junho de 2015

A vaca chega lá

E quando vimos, sem que ninguém soubesse explicar como e vinda de onde – e muito menos o motivo -, a vaca estava lá. Quanto mais se vive, mais vamos nos conformando à verdade absoluta de que nem tudo na vida possui uma explicação lógica e racional. Daí o porquê de ser impossível eliminar de vez as esferas sobrenaturais da existência, uma vez que é a elas que precisamos recorrer quando a lógica e a razão se mostram insuficientes para clarificar aquilo que se apresenta obscuro.
E o surgimento de uma vaca gorda e ruminante, tranquila e serena como sói serem as vacas, parada ali no saguão do hotel refinado, defronte ao elevador, como que a esperar sua chegada para se dirigir calmamente a seu quarto, é fato que só pode obter alguma réstia de explicação se palmilharmos as tais esferas do inexplicado, que seja a parapsicologia, a metafísica, a astrologia bovina, os búzios, a cartomancia, enfim, o que quer que seja. Só o que sei é que a zootecnia e a veterinária jamais conseguirão me oferecer uma explicação plausível que elucide a motivação da vaca para adentrar os corredores laterais do hotel, normalmente utilizados pelos funcionários em serviço, até ir postar-se sobre o tapete vermelho defronte ao elevador principal utilizado pelos hóspedes.
Eis aí o primeiro dos mistérios. O segundo, e ainda mais boquiabertante (traduzo o neologismo: “fenômeno capaz de produzir o efeito de espanto conhecido pela metáfora de deixar cair o queixo”), é o fato de, ao longo do manso e determinado trajeto da vaca, ninguém tê-la percebido até que finalmente se posicionasse defronte ao elevador, como já dissemos. Há quanto tempo haveria de estar ali? Teria tentado entrar caso a metálica caixa semovente surgisse e abrisse-lhe as portas? Só o que se pode é conjecturar.

O fato da vaca que surgiu defronte ao elevador em um hotel de luxo aconteceu de verdade algumas décadas atrás na cidade de Santa Maria e fui uma das testemunhas do bizarro caso. Aquela estranheza me acompanha vida afora, e não são poucas as vezes em que me pego refletindo sobre ele. Afinal, não é estranho que as vacas às vezes cheguem lá sem que saibamos como o fizeram, nem quem as trouxe? Que é estranho, isso é. E que as vacas às vezes chegam lá, isso é uma verdade incontestável...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de junho de 2015)

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