Quinto Anfossi é um ativista
intelectual italiano que luta para moldar sua vida no início da década de 1950,
em uma Itália que se reconstruía inteira após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Pouco afeito às coisas práticas, ele gasta seu tempo com alguns amigos
projetando a criação de um jornal de cunho político-filosófico, até o dia em
que resolve dar uma guinada: em acordo com a mãe viúva e o irmão mais velho,
decide entrar em um negócio imobiliário, vendendo parte do terreno da casa da
família a um construtor que, depois, vai se revelar um homem inescrupuloso e
mal-intencionado.
Ao longo das cerca de 120
páginas do romance “A Especulação Imobiliária”, de Ítalo Calvino (1923-1985), o
leitor é levado a acompanhar as idas e vindas de Quinto e seus familiares na tentativa de desobstruir os percalços
que vão surgindo ao longo do caminho de uma transação que se apresenta
interminável: ora é uma promissória não paga pelo construtor; ora uma cláusula
alegadamente descumprida de parte e parte; ora uma greve de fornecedores de matéria-prima,
em uma espiral desconcertante dentro de um labirinto sem saída. Sufoco e
angústia tipicamente kafkianos, porém, tratados sob a ótica bem-humorada de
Ítalo Calvino. Ri bastante com Calvino.
Lendo as páginas do romance, me
lembrei do mesmo sufoco e da mesma angústia vivenciados pelo personagem Joseph
K., protagonista da obra “O Processo”, uma das mais famosas do escritor tcheco
Franz Kafka (1883-1924). Subitamente, sem motivo aparente, Joseph K. é acusado
de alguma coisa (não se sabe exatamente o quê) por não se sabe quem, e passa a
transitar sem rumo pelos corredores da burocracia judicial criada a partir da
criatividade pesadelística do escritor, gerando uma atmosfera de profunda
angústia e desespero. Angustiei-me muito com Kafka.
Tanto o Quinto Anfossi de
Calvino quanto o Joseph K. de Kafka veem-se imersos em um pesadelo onírico do
mundo prático e burocrático levado ao extremo pela imaginação de seus autores.
A diferença é como cada um desses gênios escritores aborda a mesma questão: o
italiano, com a leveza do humor; o tcheco, com o peso da aflição e da tormenta.
São duas formas de encarar a vida, seus problemas, seus desafios. Eu mesmo, há
dias em que acordo kafkiano e dias em que me vejo Calvínico. O segredo está no
equilíbrio dessa equação.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de abril de 2015)
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