Na outrora de antigamente,
naqueles tempos de antanho, quando os cinquentões de hoje ainda eram crianças, vivendo
em um mundo analógico desprovido de virtualidades, a aproximação da Páscoa
revestia os dias de uma aura toda especial. Ainda se falava e se praticava (mas
já não mais com a mesma rigidez do antanho do antanho da infância de nossos
pais) o jejum da Sexta-feira Santa e trocava-se os cardápios à base de carne
vermelha por peixes.
Frente à algazarra intermitente
das crianças, os avós resmungavam e evocavam o antanho do antanho do antanho da
infância deles, quando o período pascal impunha a contrição e o silêncio a
reinarem dentro das casas das famílias cristãs, em sinal de respeito e dor pela
Paixão de Cristo. “Falava-se o mínimo, nem rádio se ouvia. Não se podia rir e
nem falar alto. As coisas só normalizavam no dia da Páscoa, que representa a
ressurreição de Cristo”, explicavam as avós aos netos (nós) inquietos e
excitados com a expectativa da visita do Coelhinho e seus cestos repletos de
guloseimas.
Nas cestas, podíamos esperar por
no máximo dois tipos de ovos de chocolate: os grandes e os pequenos. Suprassumo
da novidade eram os ovos grandes trazendo surpresas em seu interior: balas,
bombons ou ovinhos-filhotes. Mas eram raros os ovões “com coisa dentro”. Hoje
em dia, ovão de Páscoa sem coisa dentro é quase inimaginável. Difícil, hoje, é
imaginar o que NÃO são capazes de inserir dentro dos ovos. Aliás, para minha
surpresa, a lógica parece que começa a se inverter. Ao menos, é o que percebi
este ano, circulando pelos corredores dos hipermercados atrás de ovos para meu
afilhado. As tais das “coisas dentro dos ovos” estão crescendo e saindo para
fora, a ponto de os ovos começarem a se tornar os apêndices das tais “coisas”.
Isso criou-nos (a mim e à
senhora minha esposa, casal de dindos) um impasse na hora de selecionar o ovo
com o qual presentear, em nome do Coelho, o afilhado. Qual levar: o ovo
customizado com caneca de Homem-Aranha ou o caminhãozinho de plástico maneiro
carregando um ovo (coisas-de-dentro que saíram para fora)? Optamos pelo ovo do Homem-Aranha,
uma vez que o afilhado está na fase de adorar o personagem. Como os pais, os
tios e avós raciocinaram igual, antevejo meu afilhado este ano enredado em uma
ninhada de ovos de Homem-Aranha. Cada um com seu antanho...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de abril de 2015)
Nenhum comentário:
Postar um comentário