sábado, 18 de abril de 2015

Amiga vegetal

Vejo ao longe, da janela de meu escritório, o balançar dos galhos da frondosa araucária que domina o centro de uma quadra no bairro ainda desprovida de concretos. A árvore ocupa lugar de destaque no centro do cartão-postal que os quadrangulares limites da janela definem sempre que abro-a todas as manhãs, deixando entrar o sol (quando o dia é de sol) ou a neblina (nos dias de nuvens) e as primeiras nuances de mais um dia.
“Bom-dia, bela árvore”, desejo a ela em todos os alvoreceres, ao que ela me responde sempre ao longe com um sutil menear de seus galhos robustos e silenciosos. Às vezes, quando dou uma pausa do trabalho frente à tela do computador, para dar uma folga ao pensamento e deixá-lo divagar, repouso o olhar sobre a imagem da árvore que de lá me faz companhia, e fico a admirar suas formas exuberantes: o longo tronco desnudo que se ergue do solo seguro, forte, para explodir no alto em um punhado de galhos arqueados a ofertarem em cada ponta um circular ramalhete de verdes folhas, como se fosse um doceiro de mil braços a vender algodões-doces vegetais. Elegante design da natureza, criado para encantar os olhos de quem os tem a serviço da pescaria do Belo, onde quer que ele se esconda.
Que idade terá esse exemplar da mata nativa que se exibe em sua exuberância nessas quebradas do bairro? Mais velho do que eu? Contemporâneo? Um irmão mais novo, um tio, um avô? Não sei, não sou cientista, não conheço e não sei capturar os sinais que a árvore certamente emite e que desvelam o tempo de sua existência. Ainda bem. Assim, posso colecionar em relação a ela mais um mistério, porque é de mistérios que se moldam os encantos e não quero perder um milímetro sequer do fascínio que cultivo por minha amiga vegetal solene, impávida, muda e presente.
Ontem amanheceu ventando forte. Acordei mais cedo com o chacoalhar das persianas contra os vidros das janelas e fui descerrar a do escritório para logo saudar a minha amiga araucária. Seus braços de polvo revolviam-se frenéticos pela ação do vento, em um aceno conturbado e tresloucado de galhos a chacoalharem revoltos. Ah, temos mais algo em comum, amiga araucária: esse vento norte também te transtorna! Mas, se ela segue firme, encontro em sua imagem a força para enfrentar também eu mais um dia. Sim, bom-dia para você também, e vamos à luta!

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de abril de 2015)

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