quarta-feira, 29 de abril de 2015

A quem confiar a tristeza

Sempre que sou convidado a dar uma palestra ou a fazer um bate-papo sobre determinado assunto, fico satisfeito com a oportunidade de poder organizar minha própria visão pessoal a respeito do tema enfocado. O mesmo se dá quando paro para escrever a respeito de algum tema específico, pois é na hora de ordenar as ideias, seja por escrito ou oralmente, que interiorizamos e organizamos toda a carga de informações e reflexões que vamos acumulando sobre os mais variados aspectos da vida ao longo da vida. Somos ao mesmo tempo protagonistas e espectadores de nossas próprias vidas e essas pausas para analisar o que está acontecendo, o que somos e o que pensamos, são fundamentais.
Mas não é somente escrevendo ou palestrando que criamos esses hiatos de autoconhecimento, tão úteis especialmente para nós mesmos. Eles podem ser dar no divã do psicanalista, ou nos longos telefonemas semanais para a mãe, ou nas noitadas de conversas com as amigas e os amigos mais chegados, ou na hora do banho, ou à noite se revirando na cama, ou afagando a nuca do bichinho de estimação no sofá, ou uma vez por ano à beira-mar observando as ondas, ou na solidão momentânea do churrasqueiro defronte ao fogo, enfim... Quando vemos, estamos desfragmentando os discos rígidos de nossas sinapses cerebrais e colocando em ordem a casinha da morada de nossos eus, procedimento importante para que sigamos em frente vida afora.

Penso nisso ao ler um singelo conto do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), intitulado “Angústia”. O texto faz um recorte sobre um momento triste na vida do cocheiro Iona Potapov, que precisa transportar seus clientes a seus destinos na noite nevada enquanto matuta a tristeza profunda decorrente da morte recente de seu jovem filhinho, de febre, no hospital. Com cada passageiro que sobe em seu trenó, Iona procura entabular uma conversação para compartilhar a dor e a angústia que consomem sua alma devido à perda. Mas ninguém lhe dá ouvidos, cada qual mergulhado em suas próprias preocupações. Ao final do conto, Iona desatrela o cavalo no estábulo e, enquanto o animal come sua ração de feno, ele senta-se ao seu lado e, por horas, desfia suas recordações do filho ao bicho. Afinal, ele precisava de alguém a quem confiar sua tristeza. Organizar os pensamentos, nem que seja com um paciencioso cavalo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de abril de 2015)

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