Sempre que sou convidado a dar
uma palestra ou a fazer um bate-papo sobre determinado assunto, fico satisfeito
com a oportunidade de poder organizar minha própria visão pessoal a respeito do
tema enfocado. O mesmo se dá quando paro para escrever a respeito de algum tema
específico, pois é na hora de ordenar as ideias, seja por escrito ou oralmente,
que interiorizamos e organizamos toda a carga de informações e reflexões que
vamos acumulando sobre os mais variados aspectos da vida ao longo da vida.
Somos ao mesmo tempo protagonistas e espectadores de nossas próprias vidas e
essas pausas para analisar o que está acontecendo, o que somos e o que pensamos,
são fundamentais.
Mas não é somente escrevendo ou
palestrando que criamos esses hiatos de autoconhecimento, tão úteis
especialmente para nós mesmos. Eles podem ser dar no divã do psicanalista, ou
nos longos telefonemas semanais para a mãe, ou nas noitadas de conversas com as
amigas e os amigos mais chegados, ou na hora do banho, ou à noite se revirando
na cama, ou afagando a nuca do bichinho de estimação no sofá, ou uma vez por
ano à beira-mar observando as ondas, ou na solidão momentânea do churrasqueiro
defronte ao fogo, enfim... Quando vemos, estamos desfragmentando os discos
rígidos de nossas sinapses cerebrais e colocando em ordem a casinha da morada
de nossos eus, procedimento importante para que sigamos em frente vida afora.
Penso nisso ao ler um singelo
conto do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), intitulado “Angústia”. O
texto faz um recorte sobre um momento triste na vida do cocheiro Iona Potapov,
que precisa transportar seus clientes a seus destinos na noite nevada enquanto
matuta a tristeza profunda decorrente da morte recente de seu jovem filhinho,
de febre, no hospital. Com cada passageiro que sobe em seu trenó, Iona procura
entabular uma conversação para compartilhar a dor e a angústia que consomem sua
alma devido à perda. Mas ninguém lhe dá ouvidos, cada qual mergulhado em suas
próprias preocupações. Ao final do conto, Iona desatrela o cavalo no estábulo
e, enquanto o animal come sua ração de feno, ele senta-se ao seu lado e, por
horas, desfia suas recordações do filho ao bicho. Afinal, ele precisava de
alguém a quem confiar sua tristeza. Organizar os pensamentos, nem que seja com
um paciencioso cavalo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de abril de 2015)
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