quarta-feira, 25 de março de 2015

Uma corrida começando

Meu avô pontua a passagem de seus aniversários com a construção de uma imagem muito particular. “Completei mais uma volta ao redor do Sol a bordo do planeta Terra”, diz ele, a cada mês de setembro, no dia em que faz anos. Firme nessa maratona da vida, daqui a alguns meses, portanto, completará a sua 92ª volta. Entre as pessoas das minhas relações, ele é uma das que andam nas primeiras fileiras dessa corrida contínua, lutando pela pole position. De qualquer forma, já tem assegurado lugar no pódio da longevidade, da sabedoria, do acúmulo de experiências e de histórias a contar.
Eu também sigo a minha corrida particular, muitas voltas atrás dele, procurando me manter a passo firme e ritmado, para não correr o risco de acabar ficando para trás e ser ultrapassado como retardatário. A imagem da corrida, ou da maratona contínua, usada para fazer referência à vida, a esse somatório de dias, horas e minutos que vamos acumulando para a construção de nossas histórias pessoais, acho que funciona bem e vem a calhar mesmo. Especialmente nesses tempos modernos, em que é comum usarmos a expressão “correria” para aludirmos ao nosso cotidiano atribulado. “Oi, como vai você?”, perguntamos, prontos para receber do interlocutor a resposta-padrão: “Naquela correria de sempre”.
E corremos todos, sem exceções, já que a agenda lotada de compromissos não é mais um privilégio dos altos executivos das bolsas de valores. A fim de garantirmos um mínimo de valores em nossas próprias bolsas, precisamos, sim, correr todos. E corre a dona-de-casa e corre a executiva; e corre o trabalhador e correm seus filhos; e correm os aposentados e a turma da terceira idade; corre o bancário, o professor, o empresário, o estudante, o jovem, o maduro. Periga até o Rubinho Barrichelo andar correndo, agora que abandonou a Fórmula-1, e isso é maldade minha, claro, eu não iria resistir por muito tempo sem uma dessas.

Até meu afilhado de quase três anos de idade já corre. Ao me ver, coloca-se em posição de largada e anuncia: “Dindo, uma corrida está começando”, e se bota a correr corredor afora com as perninhas fazendo poeira ao dindo velho que vem resfolegando atrás, perdendo sempre todas as corridas que ele anuncia. Não dá para competir com quem está com todo o gás rumo à sua recém terceira volta em torno do Sol...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de março de 2015)

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