sexta-feira, 27 de março de 2015

Respeitável público

A data de 27 de março é reservada para celebrar, no Brasil, o Dia do Circo, essa arte mambembe que me parece andar meio em extinção por não conseguir se impor em termos de atratividade frente à concorrência desleal concretizada pelos aparelhos eletrônicos e pela vida virtual que dão as tintas para o universo infantil deste início de novo milênio. Eu, que sou um ser de eras passadas, que ainda faz coisas como ler livros, ficar sentado em bancos de praças, conversar cara a cara com as pessoas, reservar momentos de cultivo ao silêncio, ainda guardo na lembrança uma relação vívida com os espetáculos circenses, quando a cidade de lona começava a ser erguida no alto do morro, lá em Ijuí, inundando minha alma de expectativas para o final de semana.
Ijuí, naquelas décadas de minha infância (anos 70 e 80), foi brindada algumas vezes com o suprassumo circense da época no Brasil: o Circo Orlando Orfei, comandando pelo italiano que lhe dava nome, aqui radicado. Minha casa ficava a cerca de 300 metros do local destinado à instalação dos circos, e lembro até hoje de adormecer em meu quarto escutando ao longe o rugir dos tigres e leões e o bramir dos elefantes. Era um tempo em que animais selvagens eram permitidos no picadeiro e meus olhos infantis se deslumbravam com o destemor dos domadores na jaula dos leões fazendo aquelas feras pularem, dançarem, empilharem-se umas sobre as outras. O elefante chutava bola; cachorrinhos jogavam uma partida de futebol; o mágico tirava pombas da cartola; as trapezistas (lindas, esguias, as primeiras a povoarem meus sonhos adolescentes) voando perigosamente no ar; os malabaristas; a voracidade do engolidor de espadas e de fogo; o equilibrista na corda-bamba; o ronco infernal das motocicletas envenenadas dentro do globo da morte; a insanidade ingênua dos palhaços; a pipoca, a maçã do amor, o algodão-doce.

Tudo isso ficou para trás junto com a infância. No final dos anos 1990, já editor de Variedades do jornal Pioneiro, tive o privilégio de entrevistar Orlando Orfei quando esteve em Caxias com seu circo, aquele meu ídolo da infância. Hoje, aos 93 anos de idade, sei que segue vivo e aposentado, no interior do Rio de Janeiro. Não deve ter noção do número de crianças que fez felizes nesse país ao longo de sua longa vida.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de março de 2015)

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