segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Vida insólita

Gente, vocês hão de concordar comigo: a vida é insólita! É ou não é, hein? Bah, mas, sinceramente, é, sim! Não tem como dizer que não é. Porque é. Insólita. Imprevisível, sim, claro, a gente nunca sabe o dia de amanhã. Sequer se estaremos aqui no dia de amanhã. Imprevisível, tá bom, mas isso é o mínimo que a vida é. Estou falando de insolitismo. Ou insolidez, também não sei como se usa o termo que deriva do radical do substantivo “insólito”, porque agora faltou gramática aqui para o escriba e quem mandou ficar secando fascinado a nuca macia e sedosa (eu imaginava que fosse macia e sedosa, ao menos) da Sandra ao invés de prestar atenção nas aulas de Português no Ensino Médio, ainda no tempo em que era Segundo Grau?
Pois é, mas é insólita. Penso nisso enquanto observo daqui da mesa de meu escritório, empenhado em redigir o texto de um longo trabalho para um cliente, enquanto observo (a repetição é necessária devido às longas intercalações que uso na construção desses textos tergiversativos nos quais os leitores se sentem iguais a caçadores perdidos no mato sem cachorro e pelos quais as senhorinhas aquelas do chá me execram e ainda tencionam me passar um merecido corretivo). Fecha parêntesis e onde é que eu estava mesmo? Ah, sim. No escritório, trabalhando e olhando para a porta de entrada do apartamento em que moro. E pensando no insólito da vida. Qual a ligação? Simples: uma colher de pau.
É, uma colher de pau. Tem uma colher de pau cravada na fresta da porta do hall do apartamento. Isso é insólito. Fui eu quem cravou a colher de pau ali, o que é mais insólito ainda. E tenho motivos para isso, pois venta aqui em cima no prédio, o vento encana pelas basculantes do corredor lá fora e vem bater na minha porta, promovendo chacoalhões e um barulho irritante. Por isso, cravo-lhe a colher de pau, a título de providência contra o chacoalhar da porta. Mas a cena é insólita.

A colher de pau da porta eu não uso mais na cozinha. Aposentei-a de suas tarefas originais por razões óbvias (nesse caso, insólito seria continuar usando a colher para mexer o feijão, logo depois de usada na fresta da porta). Mas convenhamos... Insólito, não? Também, que seria da vida sem o sabor do insólito? E não me olhem desse jeito...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de fevereiro de 2015)

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