sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O tio do Argentino

Tenho um amigo de longa data cujo apelido é Argentino, pela nada inspirada razão de ele ser natural da república vizinha. Argentino mora no Brasil há décadas e é protagonista de histórias, no mínimo, nonsense, que, pelo menos, têm o mérito de suprir este cronista com assuntos a serem compartilhados com os leitores. Argentino é nonsense, é verdade, mas começo a constatar que esse traço de sua personalidade decorre de forte influência genética. A aura nonsense é marcante em vários outros membros de sua família, conforme descubro escutando narrativas de Argentino nos cafés que ele frequenta na cidade e nos quais costumo encontrá-lo, lendo, lendo muito.
Argentino anda um pouco aflito, para não dizer estressado, com um tio que o está visitando há alguns dias, vindo diretamente de Posadas, no norte da Argentina, onde mora. O tal tio é um senhor garboso, bem-apessoado, daqueles argentinos típicos que vestem terno de risca-de-giz e gravata da manhã à noite, cabelo engomado, bigodinho fino e flor vermelha na lapela. Só faltaria o bandoneón para encarnar por completo a figura do cantor de tango. Até aí tudo bem. Problema é a relação dele com a tecnologia.
O tal tio é solteiro, mas namorador e adora trocar e-mails com as namoradas que coleciona virtualmente em várias províncias argentinas, em partes do Brasil e localidades do Peru, Colômbia e Guiana Francesa. Como não pode deixar de contatá-las dedicando-lhes diariamente as doses de carinho e galanteios com as quais supre suas paixões diariamente, trouxe junto para cá seu computador de mesa e a enorme torre da CPU. O motivo: não pode ficar longe de seus e-mails. Para isso, carrega para onde quer que vá o computador e a CPU, objetos dentro dos quais, segundo sua compreensão de tecnologia, reside sua conta de e-mail. E vá convencê-lo de que não é assim que a coisa funciona!

Pior foi ontem, quando o tio decidiu ligar seu computador no apartamento que Argentino aluga em um prédio na Avenida Rio Branco. A corrente elétrica em Posadas é 110. Aqui é 220. Foi ligar o aparelho que fez PUF e a fumaça invadiu a sala inteira. Argentino quer minha ajuda para consolar seu tio, que está em estado de choque devido ao fato de imaginar que foram destruídos todos os seus e-mails e, pior, com a falta de contato, perderá as namoradas... E agora?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de fevereiro de 2015)

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