sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O colecionador de espantos

Como não sou sociólogo, e nem antropólogo, muito menos psicólogo ou historiador, tenho muita dificuldade em entender a razão dos temas sobre os quais reflito. Sendo assim, passo a vida colecionando espantos e assombros, perplexidades e encantamentos a respeito dos assuntos esses sobre os quais reflito, mas não consigo explicar, sequer compreender. Meu olhar sobre o mundo é, então, de um eterno maravilhamento, esse mesmo que os olhos de uma criança apresentam quando enxergam pela primeira vez uma colher de sopa, por exemplo. Eu estou sempre com cara de quem está vendo colheres de sopa pela primeira vez.
Digo isso porque estive a refletir sobre qual seria o ímpeto que movia as pessoas de tempos passados (e nem tão passados assim, apenas levemente amarrotados pelo distanciamento ainda curto do presente) a empreender coleções de objetos os mais variados. Por que fazíamos isso? Que espécie de carência psíquica supria aquele ato de acolherar (as colheres, de novo, nesse texto) objetos similares obsessivamente e depois atormentar parentes e visitas exibindo o fruto daquelas nossas obsessões? Que gente estranha que éramos, naqueles tempos, devido a ações como aquelas.
Eu, por exemplo, colecionava chaveiros. Tinha uma caixa de sapatos que, passados alguns anos, já quase explodia de tanta chaverada que eu acolhe... digo, que eu guardava dentro dela. Para quê? Colecionava também carrinhos de chumbo em outra caixa. Ah, e revistinhas em quadrinhos. Minha irmã colecionava bonecas e selos. Um amigo colecionava tampinhas de refrigerante, que vinham com imagens de personagens infantis gravadas no lado interno. Um primo colecionava figurinhas. Um tio meu colecionava flâmulas (aciono a máquina do tempo e traduzo: flâmulas eram pequenas bandeiras de pano, triangulares, representando times de futebol e agremiações diversas). Um colega de aula meio preguiçoso colecionava xingões dos professores, mas agora acho que já estou exagerando em favor da construção poética dessa crônica; paremos por aqui, antes que eu comece a colecionar liberdades literárias.

Só sei que as coleções e o ato de dedicar-se a elas foram minguando, minguando, e hoje são apenas parte do cenário de um tempo e de uma gente que mora no passado. Por quê? Ah, se eu fosse sociólogo...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 20 de fevereiro de 2015)

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