quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Índios e maionese

O churrasco na casa de meu avô paterno era tradição aos domingos de meio-dia. Ao menos uma vez por mês, a família toda se reunia lá. Eventualmente, alguém levava algum amigo. Foi um desses amigos adultos, comensal casual em um daqueles encontros, provavelmente cliente de meu avô, quem me chamou a atenção infantil devido a uma frase que soltou em alto e bom tom em meio à conversa que travava com meu avô, meu pai e alguns tios. “Eu não vivo para comer, eu como para viver”.
Não sei em que contexto a frase foi dita, uma vez que, aos oito, nove anos de idade, eu não participava de conversa de adultos e estava focado mesmo era na defesa do meu Forte-Apache, que meus dois primos, manipulando os bonequinhos-índios, desferiam com ferocidade ali no chão. Mas a frase invadiu meus ouvidos e se alojou em minhas lembranças, provavelmente porque deve ter gravado alguma sensação dentro de minhas primeiras reflexões de vida. “Ora (devo ter pensado, enquanto dispunha soldados no alto da casamata para melhor alvejar os índios de meus primos), o que esse homem está querendo dizer com isso? Será que ele está ousando recusar e desdenhando a maravilhosa maionese de batatas que minha avó produz sempre nesses almoços de domingo? Ou está recusando nacos do suculento churrasco assado por meu avô? Ou não quer a cebola no espeto que meu pai sempre insere na churrasqueira, que depois de assada vai à mesa cortada e regada com sal e azeite de oliva?”
Independentemente do contexto em que o personagem proferiu a frase, ela segue sendo um mantra entre as pessoas que pretendem expressar o fato de que optaram por uma visão somente utilitária dos alimentos, abrindo mão do prazer que eles podem proporcionar. Isso porque, sempre que pensamos em “prazer gastronômico”, imaginamos que ele só pode ser alcançado mediante o consumo de pratos suculentos e engordativos, desprovidos de valores nutricionais, o que está longe da verdade. Hoje aprendi que é possível unir as duas coisas: comer de forma saudável e ter prazer nisso, sem abrir mão de eventuais churrascos e maioneses de batatas.

São ensinamentos que a experiência de vida acaba nos fornecendo. Mas ainda bem que, naquele dia do passado, mesmo tendo escutado a tal da frase, eu não descuidei em nada da defesa de meu Forte-Apache.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de fevereiro de 2015)

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