terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Distância das ostras

Eu cultivo uma implicância não é de hoje e que vai me acompanhar por minha vida toda. Tendo já vivido quase meio século, constitui-se em uma prova de lógica eu afirmar que, sim, essa implicância, se já me é antiga, haverá de naturalmente seguir comigo o restante de meus passos por essa existência. É lógico, e assim haverá de ser.
Eu implico com as ostras. Tirando o fato de que elas produzem pérolas, o que, por si só, poderia endossar o cultivo de uma admiração sem par por esses moluscos marinhos, eu, mesmo assim, implico com elas. Mas para sustentar minha implicância, antes preciso deixar de lado o aspecto da gastronomia, área na qual também reconheço que as ostras desempenham um papel relevante em termos de sabor e nutrientes valiosos. Sim, concordo e assino embaixo. Mas sigo implicando com as ostras apesar das pérolas e dos sabores. E sabem por quê?
Porque as ostras não leem nada. Nunca. Não se informam, não folheiam um jornal, não passam os olhos por uma revista de informação, nunca leram um livro sequer, nem mesmo um Paulo Coelho, um Stephen King. Nada. Nunca. Pô, não dá para conversar com uma ostra. Não sai nada que se possa aproveitar dela (tirante, como já disse, pérolas e sabores). Faça você mesmo a experiência: convide uma ostra para jantar em sua casa. Ela irá, se não desconfiar de que na verdade o convite é para que ela seja jantada, claro. Mas faça isso, convide.
Receba a ostra em sua casa, conduza-a ao sofá da sala e tente entabular uma conversação minimamente interessante com ela. Não vai funcionar, não dá, dali não sai nada. E como poderia, sem ela nunca ter lido um livrinho sequer, sem jamais se informar sobre o mundo que existe além dos recifes nos quais fica a vida inteira agarrada nas profundezas dos mares distantes? Sem condições. As ostras são piores do que os lepidópteros e os platelmintos e só perdem em grau de enfadonhismo (característica de seres enfadonhos) para os paralelepípedos.

Eu já decidi: fora as joalherias e os restaurantes finos, onde a presença das ostras e dos produtos delas oriundos é sempre bem-vinda, quero-as longe do sofá da minha sala. Ali, elas são insossas. Implicância, eu sei, mas cada um com suas manias. 
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de fevereiro de 2015)

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