sábado, 14 de fevereiro de 2015

Ao alcande da mão

Houve uma época no mundo (especialmente no mundo delimitado pelas tímidas fronteiras da interiorana Ijuí das décadas de 1970 e 1980, das quais me lembro com a nitidez da infância e da adolescência vivenciadas naquele tempo e naquele espaço) em que não existiam tevê a cabo e nem antenas parabólicas. Quem morava no interior do Estado tinha um leque de opções televisivas restrito ao cardápio oferecido por aqueles minguados um ou dois canais disponíveis, dependendo do número de “antenas repetidoras” cuja instalação a prefeitura de seu município bancava.
Em Ijuí, até meados da década de 1980, havia um canal, e tão somente aquele canal e deu. Assistia-se à novela das oito (época em que a novela das oito ia ao ar realmente às oito horas da noite) torcendo para que o sinal estivesse bom. Não estando fora do ar na hora da exibição do programa favorito, já era uma festa. Os jornais da capital traziam as grades da programação das demais quatro ou cinco tevês abertas existentes no país (aliás, sequer havia o conceito de “tevê aberta”, uma vez que o país ainda não entrara na era dos canais pagos) e ficávamos namorando programas que adoraríamos assistir, mas que passavam longe de nossas antenas espinha-de-peixe instaladas sobre os telhados de nossas casas.
Até o dia em que o tão anunciado “segundo canal” chegou em Ijuí, ampliando em cem por cento nossas opções televisivas. Que alegria ter podido assistir, mesmo em meio a chuviscos de imagem e quedas intermitentes de sinal, ao VT do show que a dupla norte-americana de cantores pop Simon e Garfunkel fizera um par de anos antes, ao vivo, no Central Park em Nova Iorque. Eu me sentia finalmente conectado ao mundo, agora, com dois canais de televisão ao meu dispor. E aí vieram as primeiras transmissões ao vivo de desfiles de carnaval no Rio de Janeiro, madrugada adentro, o que me transformou em um dedicado folião de sala-de-estar, torcendo para que as câmeras dessem closes das modelos e atrizes que se botavam a ornamentar carros alegóricos com uma nudez nada castigada.

Hoje, que o mundo inteiro está ao alcance de alguns cliques no controle remoto da tevê a cabo, deixo a tevê desligada e acho que até vou dormir mais cedo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de fevereiro de 2015)

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