segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Naqueles dias

A vida é cheia dos mistérios e isso é o que lhe confere sabor, sabemos disso, concordamos e coisa e tal, mas há uns componentes dessa receita que são meio amargos, ah isso há, e às vezes incomodam. Incomodam devido aos efeitos que acarretam e também porque - especialmente porque -, como já disse ali no início, não têm explicação, permanecem mistérios.
Um dos que mais me intrigam tem relação com essa coisa inexplicável, que nem denominação específica possui, mas que a gente percebe a força e a influência quando “não estamos nos nossos dias”. E é só assim que conseguimos dar uma ideia do que essa coisa é: usando uma metáfora, uma imagem, uma figura de linguagem. Precisamos do recurso de um paralelo para dar dimensão da “coisa”, já que “a coisa” em si é inominável. Às vezes, sem saber a razão, sem conseguir explicar o motivo, simplesmente acontece de “não estarmos no nosso dia”, e acabarem saindo errado e atravessadas aquelas tarefas que, quando em nossos bons dias, desempenhamos com excelência, com competência, com tanta maestria que chegam a nos caracterizar e a nos darem fama entre os que nos cercam. Exceto nos dias inexplicáveis em que parecemos estar fora de nós mesmos, em que não somos nós, em que algo de nossa alma parece ter nos abandonado e ido tirar férias à beira da praia sem dizer quando volta.
Há dias em que desanda a maionese. Figurativa e literalmente e a amiga cozinheira sabe do que estou falando. Você sabe fazer maionese como ninguém na família; os parentes se reúnem na sua casa aos domingos por causa do churrasco de seu marido e da sua maionese, mas um belo dia, que nada terá de belo, você “não está no seu dia” e a maionese desanda, sem lógica, sem explicação. Igual ao que pode acontecer com o jogador de futebol. Você é Neymar a vida toda: acorda Neymar, almoça Neymar, treina Neymar, dá entrevista Neymar, concentra Neymar. Mas um belo dia, bem naquele dia de jogo decisivo pela Seleção, você entra em campo mas Neymar não está lá com você. Está só a casca, mas a essência fugiu. Acontece muito e não tem explicação.

É o dia. Depende de algum fator imponderável que astrólogos e estudiosos do biorritmo e dos ciclos da vida tentam explicar. Eu, hoje, desejava escrever uma crônica. Nem sempre estou nos meus dias...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de janeiro de 2015)

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