sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Ataque à civilização

O fato mais aterrorizante que sacudiu a Europa na semana passada foi a chacina de 12 pessoas cometida em um jornal humorístico francês, por uma dupla de terroristas fanáticos. No Brasil, a notícia mais aterrorizante deste mês de janeiro foi veiculada no início da semana, dando conta de que 529 mil alunos brasileiros que prestaram o exame do Enem no final de 2014 tiraram nota zero na prova de redação. A meu ver, esta notícia é tão chocante quanto aquela.
Os dois fatos, apesar de aparentemente distantes entre si e sem correlações visíveis, se prestam ao tecer de uma linha de análise que os une em determinado ponto. Essa linha é a dos efeitos da barbárie, entendendo-se aqui o termo “barbárie” como indicador de grau zero no nível de civilização humana. Invadir uma redação de jornal armado e fuzilar cartunistas porque discorda das mensagens passadas por eles a partir de seu trabalho representa o grau mais primitivo das relações humanas, irracional, incivilizado e inadmissível. É a expressão da bestialidade em estado puro, a supremacia da desrazão sobre a razão.
A mesma supremacia da desrazão sobre a razão se dá no seio de um povo que consegue, em um só ano, trazer à tona meio milhão de jovens que demonstram não conseguir administrar com eficiência mínima um dos mais significativos instrumentos civilizatórios: a escrita. Meio milhão de estudantes que estão em fase de pleitear vaga na universidade para seguir carreiras profissionais não conseguem compreender a leitura de um enunciado e, por trágica consequência, são inaptos para organizar seus pensamentos de forma coerente por meio da expressão escrita. Trata-se de um quadro tão incivilizado quanto o outro.

Mas isso há de mudar. O índice nos envergonha e, em sendo o Brasil como é, antevejo logo as medidas cabíveis que serão tomadas em curto prazo. A exemplo do índice de reprovação escolar, que era alto no país, agora solucionado com as ordens de que não se deve reprovar mais ninguém, também as redações zero no Enem se extinguirão assim que admitir-se o uso da linguagem “internetês” como expressão da escrita aceitável: “Ae meu, negó segui, td ok para hj, kkkkkk”. E vamos em frente, assassinando a civilização.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 16 de janeiro de 2015)

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