domingo, 4 de janeiro de 2015

A roupa da vizinha

Ai, coitada da vizinha que mora na casa verde do outro lado da rua, que eu enxergo da janela de meu escritório caseiro (“home office”, meu contador me disse para eu chamar de “home office”, que é mais elegante e impressiona a clientela). Mas coitada da vizinha, eu ia dizendo. Ela esqueceu de novo a roupa estendida no varal no quintal. E, adivinhem? Chove!
São nove horas da manhã, a roupa da família da vizinha já estava estendida, e chove. Acompanho o andamento das lavagens de roupas daquela casa, porque, como já disse, tenho visão privilegiada de parte de seu cotidiano a partir da janela de meu escrit... de meu home office. E sei que a vizinha não é de esquecer as roupas estendidas no varal durante a noite. Isso significa, utilizando-me do raciocínio lógico obtido a partir da leitura das aventuras de Sherlock Holmes na adolescência, que a vizinha levantou cedo hoje, lavou as roupas e as estendeu, entusiasmada que estava com o solzinho que se pôs a aparecer ainda nas primeiras horas do dia, anunciando tempo bom.
Porém, mais uma vez, levou uma rasteira do sol e as roupas estão lá, tomando chuva já faz mais de hora. Significa também que a vizinha cometeu a imprudência temerária de estender suas roupas ao ar livre em Caxias do Sul e sair de casa, sem ficar monitorando as incertezas cambiantes imprevisíveis do clima aqui na Pérola das Colônias. E deu-se mal. A essas alturas, se ela está pela cidade, ela já percebeu, de longe, que fez besteira, e que a toalha cor-de-rosa, as camisas e as calças postas para secar já estão mais encharcadas do que quando saíram da máquina de lavar. “Porcaria”, deve ter pensado a vizinha.
Na verdade, não sei se a vizinha é dada a blasfemar mentalmente quando confrontada com situações frustrantes como essa. Talvez ela não tenha pensado “porcaria”, mas, sim, “Nossa Senhora, de novo!”, algo assim, mais sutil. Afinal, nunca vi a vizinha, não sei se é jovem, se é madura, ou se uma senhora já avançada em experiências. Apenas posso imaginá-la e supor o tamanho de sua indignação. Que compartilho, porque também apronto dessas. Afinal, uma coisa que nós, caxienses (natos ou adotivos) teimamos em fazer é nos esquecermos de que moramos em Caxias do Sul. E dê-lhe roupa a ser relavada!

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de janeiro de 2015)

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