sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A batata do outro

Como já dizia Machado de Assis: é batata! Não, nosso escritor maior nunca disse isso. Quer dizer, até pode ter dito informalmente, no refúgio de seu lar ou entre amigos, afinal, fora a genialidade literária incomum, não passava de um ser humano comum e seres humanos comuns dizem, vez em quando: é batata! Machadinho (que é como o chamamos, os íntimos) pode, então, sim, também ter dito alguma vez a expressão, mas não a ponto de que ela o caracterizasse.
Como, minha senhora? Eu estou confundindo? Machado escreveu sobre batatas, mas foi diferente, é isso? Sim, isso mesmo. Como era, mesmo, minha senhora? O que ele escreveu, e que o caracteriza, é a expressão “ao vencedor, as batatas”? Sim, exato! Eu sabia que havia batatas na jogada machadiana. Obrigado, minha senhora. Fico-lhe em dívida por essa.
Mas, se o que Machado escreveu foi “ao vencedor, as batatas”, e não simplesmente “é batata!”, então Machado não serve para ilustrar e engalanar o início desta minha crônica, porque o que eu quero expressar é exatamente a exclamação “é batata!”, e, portanto, não posso evocar Machado, o que empobrecerá a pretensão do texto. Pena. Deixemos Machado, não sem tristeza, e fiquemos somente nas batatas, que é o que nos resta. E vamos logo, que o espaço se vai extinguindo.
Pois é batata, diria eu mesmo, então! O prato do vizinho é sempre mais saboroso, mais aromático e mais apetitoso do que o seu prato. Vá a um restaurante que serve empratados, que é quando a comida já chega toda enfiada (“disposta” seria mais elegante, mas estamos escrevendo sem a companhia de Machado, lembra?) dentro do prato, que você logo vai notar. O pedido do seu companheiro de mesa, no prato que lhe chega ao lado, sempre parecerá superior ao seu. É batata, mesmo que não haja batatas.

Foi por isso que desenvolvi uma tática. Sempre tento ser o último a pedir e simplesmente digo ao garçom: “quero igual ao dele”. Só que não adianta: minutos depois, chegam à mesa os pratos contendo o mesmo pedido, e sempre o filé do outro estará melhor preparado do que o meu, o arroz mais soltinho, a batata mais batata. É batata. Batata que é batata será batata sempre.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de janeiro de 2015)

Nenhum comentário: