sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Não suspeitou desde o princípio

Apesar de ter encantado crianças de várias partes do mundo ao longo das últimas décadas, o personagem televisivo “Chaves” não tinha em mim um integrante de suas fileiras de fãs. Creio que esse descompasso se explica pelo fato de que, quando os episódios começaram a ser transmitidos por canais brasileiros de televisão, especialmente o SBT, em 1984, eu já era bem grandinho e estava preocupado com o início de minha vida de estudante universitário. Não criei, portanto, empatia com o universo de Quico, Chaves, Seu Madruga, Chapolin Colorado, Chiquinha, Dona Florinda e outros.
Mesmo assim, tocou-me a morte do ator mexicano Roberto Bollaños, aos 85 anos de idade, ocorrida em 28 de novembro, justamente por ser ele um ícone da cultura pop e tão significativo para a história pessoal de tanta gente que conheço. Nunca assisti a um episódio inteiro de Chaves, mas o poder de irradiação dos jargões dos personagens ultrapassava barreiras e não foram poucas as vezes que inseri em minhas falas as famosas “suspeitei desde o princípio” e “não contavam com a minha astúcia”. Dessa forma, sempre atento ao que se passa por aí, não pude deixar de parar para refletir sobre algo que li ainda ontem, relativo ao caso da morte de Bollaños.
Carlos Villagrán, o ator que interpretava o bochechudo e esbugalhado Quico, está a se lamentar publicamente pelo fato de não ter conseguido se reconciliar com Bollaños antes da morte dele. Os dois atores se desentenderam ainda no início dos anos 1980, o que ocasionou a saída de Villagrán do seriado. Voltaram a se falar uma que outra vez, décadas depois, mas a reconciliação mesmo jamais aconteceu. E agora, Villagrán chora sobre o leite derramado que ninguém se preocupou em tentar colocar de volta na leiteira. Tarde demais.

Tocante o compartilhamento que Villagrán faz em público de seu arrependimento. Especialmente por servir de alerta a cada um de nós, junto a um convite para refletirmos sobre o que estamos deixando passar em termos de questões mal resolvidas. O tempo é inclemente e não faz paradas para a reflexão. Temos de refletir e agir com o bonde em movimento. Mais tarde será tarde.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de dezembro de 2014)

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