segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Mãos prolixas

Pois é, mais de vinte anos morando aqui na Serra Gaúcha, não podia dar outra: acabei me aculturando em diversos aspectos. Absorvi hábitos, adotei costumes, ampliei o espectro de meus interesses gastronômicos, alarguei horizontes, coisa e tal. Vindo que sou da região noroeste do Estado, vizinho das Missões, até que passo por um gringo perfeito se me observarem de longe, à mesa, por exemplo. Viciei em radicci, pissacán, pien, codorna, sopa de agnoline e sopa de capeletti.
Mas, claro, há características que jamais nos abandonam, por mais que imaginemos estarmos imersos nas tradições, usos e costumes de determinada comunidade. Se me virem quieto, mastigando polenta com queijo e bebericando goles de vinho, tudo bem, me compram por gringo. Mas, se me escutarem pedir um copo de leiTE quenTE, que faz bem para a genTE, bom, aí entrego sem pudor as minhas origens alienígenas.
Mas o principal aspecto que comprova minha capacidade camaleônica de me inserir no meio em que passo a conviver é o fato de que há anos passei a “falar com as mãos”, como é costume antigo aqui por essas aragens serranas, em especial entre os descendentes de italianos. Ainda não falo alto, naquele volume dois tons acima do socialmente aceitável em outras localidades, mas definitivamente não consigo mais me comunicar se não puder utilizar as duas mãos e vários centímetros dos braços até os cotovelos, para auxílio gestual daquilo que estou dizendo.

Aprendi que não existe isso de usar somente o aparelho vocal e a língua portuguesa para dizer “eu fui até lá”, por exemplo. É preciso sublinhar a frase utilizando o braço todo, a mão em forma de punho, o dedo indicador em riste, e acompanhar o dito com um movimento largo de deslocamento, que explica a distância desse “lá” aonde andei indo. Mas ainda não tenho a destreza dos nativos, sou ainda um amador. Tanto é que, nos restaurantes, quando falo e narro uma história, minha mesa costuma estar permanentemente cercada por garçons que, de longe, imaginam que eu os esteja chamando com meus inábeis gestos. Preciso praticar mais e aprimorar minha comunicação, sei disso.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de novembro de 2014)

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