Ontem desisti de uma leitura.
Pela primeira vez em minha longa vida de leitor (quatro décadas lendo),
abandonei o projeto de ler determinado livro após ter dado início ao fruir de
suas páginas. Tomei a decisão de fechar o volume e devolvê-lo à prateleira ao
chegar, penosamente, à página 50 e detectar ter pela frente ainda outras 400 a
serem enfrentadas no mesmo ritmo, no mesmo tom, com as mesmas dificuldades, com
o mesmo sofrimento e desprazer.
“Vamos parar por aqui”, disse eu
ao livro, e paramos. Recoloquei-o na estante do corredor e retornei à sala me
sentindo leve, levíssimo. Sentei-me na poltrona em que costumo me sentar à
noite quando me ponho a ler livros e fiquei tentando identificar que espécie de
sensação se apossava de mim após ter tomado essa decisão histórica em relação a
meus hábitos de leitura, eu, que jamais abandonara a leitura de um livro.
“Livro começado é livro terminado”, sempre fora meu lema, até ontem.
Temi ser invadido por uma
profunda e inevitável sensação de frustração e de derrota. Mas não foi o que
aconteceu. Senti-me liberto não apenas da obrigatoriedade autoimposta frente a
uma leitura penosa, mas também em relação à necessidade de manter atitudes
pessoais que julgava serem determinantes da persona que eu havia criado em mim.
Descobri que eu não preciso mais provar para mim mesmo que sou um leitor,
característica pessoal de que tanto me ufano. Ao menos, não preciso mais provar
dessa forma, me obrigando a dar sequência a uma leitura que não me agrada.
Dessa forma, rompi grilhões, quebrei correntes, entreabri uma porta que sempre
estivera trancada, deixei entrar uma luz nova e promissora em meu caminho.
Em outras palavras, com esse
simples gesto de fechar o livro e abandonar sua leitura, desatei um paradigma
pessoal e permiti em mim uma renovação de postura. Não houve desamparo, mas,
sim, paz e segurança para seguir em frente com uma postura nova e libertadora. Tudo
isso a partir de um pequeno e prosaico gesto efetuado sem testemunhas, no
interior de meu aquário. A renovação interna às vezes se revela a partir de
pequeníssimas grandes coisas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de outubro de 2014)
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