domingo, 12 de outubro de 2014

Correrias de outrora

Eu, aos cinco anos de idade, já vendo o mundo por meio de outros prismas

Naqueles dias, todo o dia era dia da criança. Gostávamos de brincar de esconde-esconde, que em Ijuí, naqueles idos, conhecíamos como “siscondê”, uma corruptela de “se esconder”. “Vamos brincar de siscondê”, dizíamos os mais velhos, e sempre dávamos um jeito de, na contagem, forçar para que um dos menores já saísse “fechando”, ou seja, cabia a ele debruçar-se sobre o tronco da timbaúva cravada no centro do quintal de casa, fechar os olhos e contar pausadamente em voz alta até 50, que era o tempo que tínhamos para sair em disparada a nos camuflarmos pelo pátio, a fim de sermos procurados pelo garoto que “fechava”.
Eita correria que, via de regra, rendia alguns joelhos esfolados a serem tratados com Mertiolate ao final do dia. Correria que só se equiparava a quando mudávamos a brincadeira para “lets”. “Vamos brincar de lets”, sentenciávamos, e lá ia um dos menores, encarregado de ter o “lets”, a correr atrás dos outros. Quando encostava a mão em alguém, gritava “lets”, e transferia automaticamente a ele a incumbência de correr atrás dos outros, portando o “lets”. Que diabos significava “lets”? Perdi de descobrir nos tempos da infância, agora passou, morrerei com a dúvida.
Com cinco anos de idade eu já tinha um par de óculos enfiados na cara, mas isso não me impedia de correr muito na hora do “lets” e do “siscondê”. No jardim de infância, brincávamos de lobos (os meninos) e ovelhas (as meninas). Os lobos deviam capturar as ovelhas, que iam sendo “presas” na cancha de areia. Certa vez eu, lobo, trombei feio com uma ovelha, cuja cabeça era mais dura do que a minha. Um galo na testa amansou o lobo que havia em mim.

Aos dois anos de idade, meus pais pediram para eu reunir todos os meus brinquedos na porta da frente de casa, para uma foto. Observo eu ali e me vejo cercado pelo caminhão de madeira, a girafa de plástico, o patinho também de plástico que eu alimentava com comida de verdade por um furo que lhe fiz no bico, uma cadeirinha azul em que eu sentava para comer mingau. E tudo isso olhando apenas duas fotos do álbum. Como a gente esquece quanta criança já coube dentro de nós um dia...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de outubro de 2014)

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