segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Coligação de sabores

Minha mãe gosta de cozinhar e cozinha como hobby para desestressar da correria que suas demandas profissionais lhe impõem. Herdou a habilidade de minha avó, que cozinhava não como passatempo, mas como uma das atribuições da dona de casa que era. Outros tempos, outros ingredientes de vida e de panelas, mas em ambas a mesma competência em administrar sabores, o mesmo amor pela arte da gastronomia, seja ela a simples do dia-a-dia ou a requintada dos chefs.
Minha mãe cultiva há décadas um caderno no qual vai lançando as receitas que experimenta e julga terem tido tal sucesso a ponto de querer perenizar ali os ingredientes e o modo de fazer, a fim de repetir a experiência da transformação alquímica de ingredientes solitários em compostos deliciosos. Como o acúmulo de prática e experiência gera conhecimento e segurança, ela usa a imaginação na criação de pratos novos ou mesmo no incremento, com seu toque pessoal, daqueles cardápios batidos que se renovam ao mexer de suas colheres.
Está enjoado de estrogonofe? Isso porque nunca experimentou o estrogonofe feito por minha mãe. Boeuf bourgignon, sabe o que é? Buenas, nunca comeu lá em Ijuí, azar o seu. E uma torta salgada de cebola, o que acha? Uma mousse de pepino? Uma galinha a escabeche? Um ratatouille? Pimentões verdes recheados, que acha? E goulash com páprica picante, já comeu? E guisado com mandioca? Ah, isso você conhece? Sim, mas já experimentou o feito pela minha mãe? Não, né? Ah pois...
Ontem, em homenagem ao dia das eleições, baixou nela o santo do cozinheiro inventão e ela se foi para as panelas, inventar moda culinária. Telefonou para mim lá de Ijuí, só para me encher de água a boca, ao narrar a nova estripulia, batizada de Coligação de Sabores. Não sei como é nem que gosto tem, mas a julgar pelo relato dos ingredientes, logo terei de ir a Ijuí experimentar. É à base de PV (pimentão vermelho), PAF (pimentão amarelo da feira), PCCF (punhado de cubos de carne fritos), PAR (porção de abobrinha refogada), PS e PP (pouco sal e pitadas de pimenta). Eis uma coligação que não vai revoltar o estômago de ninguém!

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de outubro de 2014)

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