Jorge Luis Borges, o escritor
argentino (1899 – 1986), afirmou certa vez que, em sua velhice, ele se dava ao
luxo de não se esforçar mais em estabelecer novas amizades porque não tinha
mais ânimo para, com elas, ter de encontrar os elos de identificação que lhes
seriam comuns. Traduzindo do borgeanês para o português, significa que ele se
via sem paciência para entrar em debates a respeito de temas que, para ele, já
estavam solucionados.
Dizia Borges, por exemplo, que não se
interessava em debater religião com quem não acreditasse em Deus, uma vez que,
para ele, a existência de Deus estava estabelecida. Voltar a debater isso, para
ele, era perda de tempo e de energia. Preferia então o argentino seguir
cultivando, na maturidade, as amizades já longamente amadurecidas, com aquelas
pessoas com as quais já havia fincado os pilares de conceitos para ele fundamentais.
Cansava-lhe ter de repetir argumentos, redefinir o já definido em suas
idiossincrasias.
Com essa postura tipicamente
borgeana, Borges abria mão, deliberadamente, de ter contato com o estímulo do
novo. Fazia a opção por apegar-se ao tradicional, ao arraigado em si mesmo, e
se fazia passar por irredutível, carrancudo, inacessível. Coisas que, sabemos,
ele não era. Quem era assim era o Borges personagem de Borges, que servia à
construção da obra literária que ele criava usando a si próprio como ator
principal.
Mas não consigo deixar de pensar
nele quando vou à pizzaria e, dentre o quase infinito cardápio de sabores,
acabo sempre escolhendo a portuguesa. E vou além. Quando se trata de lasanha,
para mim, que venha, sempre, a tradicionalíssima de presunto e queijo. Nada de
quatro queijos, brócolis, o escambau. Opto pelo de sempre, que me proporciona
satisfação garantida. O mesmo se dá na hora do espaguete. Quero à bolonhesa.
Todas as vezes. Ah, tem filé? Tá, traz à parmegiana. Sim, de novo.
Sou velho e tradicional, igual
ao Borges (não tão velho, ok). O tempo é curto e não tenho mais ânimo para
grandes experimentalismos. Afinal, sei lá eu se amanhã terei oportunidade de
pedir espaguete de novo. Então, que seja à bolonhesa.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de outubro de 2014)
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