quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Razão ou sensibilidade

Uma coisa é sentir-se oprimido por determinada situação opressora e não ter o direito de revertê-la. Nesse caso, o que se configura é cerceamento de liberdade, a exigir a transformação desse quadro. Isso não impede que outra pessoa, vivenciando a mesma situação, não sinta essa opressão, o que significa conformismo e cumplicidade com a opressão.
Outra coisa é ter conquistado o direito de não vivenciar essa situação opressora mas, mesmo assim, optar por seguir mantendo tudo como está. Aí se trata de liberdade individual de escolha e não há o que fazer. Penso nisso ao findar a leitura de mais um romance escrito pela autora inglesa Jane Austen (1775 – 1817), “Persuasão”, no qual, a exemplo de seus outros trabalhos (“Razão e Sensibilidade”, “Orgulho e Preconceito” etc), a autora se debruça sobre a questão dos casamentos arranjados por motivações econômicas e sociais, às quais as mulheres eram submetidas naqueles idos dos séculos 18 e 19.
Via de regra, a escolha do marido estava a cargo de acertos entre os pais de família, levando em conta o que seria melhor para a sequência de sobrenomes, propriedades, títulos, descendências, coisas assim. O afeto, a compatibilidade de espírito, a união de projetos comuns não estavam em questão. O amor e a paixão, muito menos. As protagonistas femininas das obras de Jane Austen se rebelam contra esse status quo de sua época e assumem um anseio que começava a surgir e que viria, décadas mais tarde, a alterar essa situação para melhor.

Vivemos hoje, no século 21, um cenário diferente, ao menos, no mundo ocidental. Casamentos por conveniência econômica e social não são mais uma regra imposta. O que se espera quando um casal dá seu “sim” em uma igreja ou frente a um juiz de paz é que o estejam fazendo movidos pelo afeto recíproco. O resto (patrimônio, nome, carreira, família), supõe-se que irão construir juntos, a partir de um esforço comum. Optar por uma união de conveniência não é mais regra opressora. Mesmo assim, é de surpreender que ainda haja quem veja nisso uma opção de vida. Jane Austen há de se revirar no túmulo. Mas liberdade é isso, Jane, fazer o quê.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de setembro de 2014) 

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