Uma coisa é sentir-se oprimido
por determinada situação opressora e não ter o direito de revertê-la. Nesse
caso, o que se configura é cerceamento de liberdade, a exigir a transformação desse
quadro. Isso não impede que outra pessoa, vivenciando a mesma situação, não sinta
essa opressão, o que significa conformismo e cumplicidade com a opressão.
Outra coisa é ter conquistado o
direito de não vivenciar essa situação opressora mas, mesmo assim, optar por
seguir mantendo tudo como está. Aí se trata de liberdade individual de escolha e
não há o que fazer. Penso nisso ao findar a leitura de mais um romance escrito
pela autora inglesa Jane Austen (1775 – 1817), “Persuasão”, no qual, a exemplo
de seus outros trabalhos (“Razão e Sensibilidade”, “Orgulho e Preconceito” etc),
a autora se debruça sobre a questão dos casamentos arranjados por motivações
econômicas e sociais, às quais as mulheres eram submetidas naqueles idos dos
séculos 18 e 19.
Via de regra, a escolha do
marido estava a cargo de acertos entre os pais de família, levando em conta o
que seria melhor para a sequência de sobrenomes, propriedades, títulos,
descendências, coisas assim. O afeto, a compatibilidade de espírito, a união de
projetos comuns não estavam em questão. O amor e a paixão, muito menos. As
protagonistas femininas das obras de Jane Austen se rebelam contra esse status quo de sua época e assumem um
anseio que começava a surgir e que viria, décadas mais tarde, a alterar essa
situação para melhor.
Vivemos hoje, no século 21, um
cenário diferente, ao menos, no mundo ocidental. Casamentos por conveniência
econômica e social não são mais uma regra imposta. O que se espera quando um
casal dá seu “sim” em uma igreja ou frente a um juiz de paz é que o estejam
fazendo movidos pelo afeto recíproco. O resto (patrimônio, nome, carreira,
família), supõe-se que irão construir juntos, a partir de um esforço comum. Optar
por uma união de conveniência não é mais regra opressora. Mesmo assim, é de
surpreender que ainda haja quem veja nisso uma opção de vida. Jane Austen há de
se revirar no túmulo. Mas liberdade é isso, Jane, fazer o quê.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de setembro de 2014)
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