terça-feira, 30 de setembro de 2014

Prudência impressa

Alguns livros de minhas estantes acordaram muito excitados ontem pela manhã. Logo ao me verem em pé, invadiram meu moroso processo de transição entre o sono e o despertar exigindo que eu escrevesse a crônica de hoje tendo como tema o significado importante da data de 30 de setembro para o universo da literatura. “Ué, mas ce qui se passe?”, perguntei a eles, misturando línguas, fenômeno típico de meus acordares, mas preocupante porque, desperto, sequer arranho o francês.
 Pulando nas prateleiras como passarinhos no ninho excitados com a chegada das minhocas no bico da ave-mãe, os livrinhos mais salientes me informaram que hoje, 30 de setembro, comemora-se a publicação da Bíblia de Gutenberg, ocorrida nesta data no ano de 1452, marcando o nascimento dos livros impressos. Motivo suficiente para estarem bem alegrinhos, uma vez que foi a invenção de Gutenberg que permitiu a existência de todos eles.
Achei justa a reivindicação e decidi que, sim, escreveria sobre isso. Porém, não pude deixar de estranhar o silêncio reservado de minhas enciclopédias, dicionários e biografias ali no canto. Sei que eles são mais contidos por natureza, mas ficou algo no ar, até porque, os arautos da reivindicação eram justamente aqueles meus livrinhos assim, digamos... mais superficiais.

Antes de meter dedos ao teclado, achei prudente investigar. Sim, a internet, em diversos blogs e sites, indica a data de hoje como sendo relativa à publicação da Bíblia de Gutenberg. Mas senti falta de uma fonte histórica mais confiável, uma vez que a internet aceita tudo e é muito fácil um blog copiar do outro sem proceder a uma peneirada mais criteriosa das informações. Após muito navegar, decidi me levantar e lançar mão à consulta direta daqueles meus sempre confiáveis dicionários, biografias e enciclopédias impressos, que esperavam por mim ali, no cantinho deles. E batata: há controvérsias. Gutenberg levou anos compilando sua primeira edição impressa da Bíblia, mas não se sabe exatamente quando ela veio a público. Portanto, não poderei escrever esta crônica. Afinal, é preciso confiar desconfiando, como nos ensina sempre a boa literatura... impressa!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de setembro de 2014)

Nenhum comentário: