sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Sinfonia do meio-dia

Os elementos que compõem a sinfonia começam a se apresentar no cenário por volta das onze horas da manhã. Para detectá-los, é necessário afastar-se das ruas movimentadas dos centros das cidades, sejam elas grandes ou pequenas, porque, hoje em dia, até mesmo as pequenas cidades fomentam centros nervosos, conturbados, recheados de relógios, pressas e cotovelos.
Para encontrar os instrumentos dessa composição, se faz necessário rumar para lugares mais mansos e lá deixar-se estar. E aqui, é preciso também saber conjugar na alma esse verbo “estar”, que não é um verbo passivo, mas bastante ativo quando desejamos reacender aquela conexão que antigamente tínhamos mais afinada com nossa própria essência pessoal.
Para isso, é preciso ir para Uvanova, por exemplo, cidadezinha em que as casas ainda são maioria em relação aos prédios e aos restaurantes de comida a quilo, ou para os bairros distantes em nossas próprias cidades, onde o cenário de interior ainda rima com o passar mais lento e humano das horas. É nesses lugares em que a gente, quando está de verdade neles, consegue detectar o afinar dos instrumentos da sinfonia do meio-dia que a partir das onze da manhã já se desenha.
Então, de uma janela lhe chegam aos ouvidos o rugir de uma panela de pressão amolecendo os grãos do feijão que alimentarão a família. Da casa da esquina ressoam as pancadas de alguém que amacia um bife sobre a tábua de madeira. Dali do lado suas narinas são invadidas pelo cheirinho de cebola sendo frita na manteiga. O choque do arroz frito na panela com a água fervente que lhe é vertida antecipa a base do almoço de logo mais. Na casa verde haverá suco de laranja, pois o espremedor de frutas trabalha sem folga. Ali no fim da rua o cardápio só pode ser dos bons porque é para lá que saltam das moitas os gatos e cachorros da vizinhança, a fazer coro de olhares pidões aos pés da dona da casa.

Nada disso nos chega nos cruzamentos das avenidas ao rumarmos para mais um almoço cronometrado no meio do caos da cidade voraz. Metade do sabor da vida fica para trás em nossas lembranças, ou escondido nas Uvanovas da vida, onde nem sempre nos é possível estar estando.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de setembro de 2014)

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