segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Chinelinho lilás

Ah, o valor de um chinelo velho! Escrevi aqui, semana passada, sobre certos objetos antigos que insistimos em manter ao nosso redor por razões afetivas obscuras que causam espanto até mesmo a psicólogos experientes. Tentei entender o que nos motiva a manter nos pés aquele chinelo quase furado que nos conduz pelos corredores da casa no piloto-automático; aquela xícara com a borda lascada na qual bebemos o mais aconchegante café da manhã todos os dias; aquele blusão repleto de bolinhas desfiadas que, de traje social, se transformou em pijama fofinho.
Recebi e-mails de psicólogos e também de leitores variados, compartilhando suas paixões inexplicáveis e profundas pelas pequenas velharias de seus cotidianos que, a bem da verdade, representam pedacinhos de si próprios, hábitos arraigados, zonas de conforto, essas coisas. E da amiga, escritora e colega da Academia Caxiense de Letras, Maria Angélica Graziottin, recebi o comovente relato que reproduzo a seguir:
“Marcos: É com pesar que comunico, com extremo sofrimento, que consegui descartar meu chinelinho de tecido floral de cor lilás. Que eu amo de paixão, já sem tecido no calcanhar, desfiado e com o dedão cutucando e querendo aparecer embaixo do pano. Tinha em casa um novinho em folha, branco com vermelho, liiiindo, também de tecido, mas... não me motivava!
Mas, com sua crônica, criei coragem, peguei na mão aquela belezura lilás e, com um esforço extremo, dei para o meu filho e disse: ‘Podes colocar no lixo por mim?’ E lá se foi para dentro do saco sem ele imaginar o esforço que fiz. Estou nos pés com a lindeza do chinelo novo, branquinho, com vivo vermelho, desenhos da mesma cor, de coraçõezinhos e uns risquinhos imitando o batimento cardíaco dos eletrocardiogramas.  Provavelmente deve ser o meu coração chorando de saudades do floral lilás. Obrigada pela força”.

Ao ler o email, sofri com Maria Angélica a dor que ela sentiu ao decidir abandonar seu antigo e parceiro chinelinho floral lilás. Se alguém encontrar esse chinelinho em algum contêiner de lixo aí da cidade, mande-o aqui para casa! Meu velho e furado chinelo marrom vai adorar conhecer a floral lilás...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de setembro de 2014)

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