quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Arroz sonífero

Quem me lê há tempos lembra que eu tenho um amigo chamado Argentino, cujo principal traço de personalidade consiste em ser crédulo ao extremo, especialmente em relação ao que vê na imprensa falada, escrita, televisionada e clicada. Argentino acredita em tudo o que lê e leva ao pé da letra qualquer notícia, atropelando entrelinhas, ignorando metáforas. Para ele, quadrado é quadrado, dia é dia e lua é lua.
É por isso que Argentino tem fissura por notícias sobre resultados de pesquisas feitas ao redor do planeta, revelando descobertas inimagináveis. Agora, por exemplo, está obcecado por arroz, desde que leu reportagem sobre pesquisas realizadas com dois mil voluntários que se atracaram a comer arroz e, como resultado, passaram a dormir melhor, muito melhor. Os arrozentos demonstraram ter conquistado uma qualidade de sono superior à qualidade de sono atingida pelos outros voluntários que comeram macarrão e pão antes de dormir. Conclusão da pesquisa: arroz produz bons sonhos. Resultado da divulgação da pesquisa: Argentino passou a devorar quilos de arroz por mês, na busca por uma melhor qualidade de sono.
Mas Argentino anda desconfiado de que justamente ele encarna a exceção que confirma a regra, pois, ao contrário do que esperava, anda mesmo é tendo pesadelos, dores de barriga e noites mal dormidas. Já sugeri a ele que passasse a comer apenas uma singela tigelinha de arroz antes de deitar ao invés dos dois pratos fundos de risoto, mas ele não me escuta. Afinal, a pesquisa não cita a quantidade ideal de arroz a ser consumida antes do apagar das luzes do quarto. Falha a pesquisa, ou falha o redator da notícia. Ou falha Argentino, esse exagerado.

Certo é meu avô, que há décadas dorme no chão, por acreditar que dorme melhor quem se posiciona com a cabeça para o nascente e fica o mais próximo possível do solo. Ele habita o quinto andar do prédio, mas segue firme dormindo embaixo da cama, de onde ninguém o tira até o amanhecer. Fazer o que, se diz que dorme bem. E eu aqui, com chazinho de alface, lençol cheiroso e colchão fofinho, peleando contra as insônias...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de setembro de 2014)

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