quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A ilha deserta

Quem nunca sonhou em possuir uma ilha deserta só para si e refugiar-se lá das agruras do mundo, transformando-a em seu paraíso pessoal, com a sua cara, com seus livros e discos preferidos, local mágico em que tudo o que você deseja lhe caísse aos pés ao estalar de seus dedos, sendo assim feita a sua vontade? Eu já. A senhora ali, meneando a cabeça, também? Que bom!
Pois então, senhora, olha só, sonhe comigo, ajude-me a formatar melhor esse desejo fantasioso compartilhado por grande parcela da humanidade, sempre que cada um sente pesar sobre suas costas o fardo do mundo. A imagem da ilha deserta nos vem à mente quando nos sentimos oprimidos no trabalho, ou quando estamos infelizes em casa, ou quando as dívidas começam a nos devorar pelo calcanhar, ou quando bate aquela angústia vinda não sabemos de onde e que vai nos consumindo aos pouquinhos, a ponto de só vermos salvação... na ilha deserta!
Vamos para lá? Quer dizer, vamos, nada. A senhora vai para a sua e eu vou para a minha, afinal, se a senhora for junto para a minha, ela deixará de ser deserta. Eu mesmo, habitando a minha ilha deserta, farei com que ela deixe de ser deserta, mas a minha ilha foi feita para acolher a mim e aos meus devaneios, e a senhora até pode vizinhar a minha ilha, posso abanar para a senhora de longe, sempre que a maré baixar, mas a senhora na sua, eu na minha. Cada um com os seus desertos, combinado?

Mas agora, minha senhora, esse nosso sonho ficou possível de ser transformado em realidade. Chega-nos a notícia de que o governo das Ilhas Maldivas, aquele arquipélago paradisíaco localizado lá no meio do Oceano Índico, está colocando à venda uma ilha deserta que é a nossa cara: 14 hectares de puro mar azul, natureza, árvores, calor, sol, e a mais completa solidão. Tudo isso pela bagatela de 14 milhões de dólares. Viu? Basta pararmos de sonhar com bobagens, trabalharmos bastante nossas vidas inteiras juntas (e mais as de milhões de outros sonhadores iguais a nós), que compramos a ilha. Ou seja: para obtermos a ilha de nossos sonhos, precisamos antes é de muito choque de realidade. Sonhozinho mais caro esse nosso, hein, amiga?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de setembro de 2014)

Nenhum comentário: