segunda-feira, 28 de julho de 2014

De gelar a espinha

A julgar pela qualidade dos debates, pela pertinência dos temas abordados e pelo público que lotou as dependências que sediaram os encontros (a Livraria e Café Do Arco da Velha e o Zarabatana Bar, do Centro de Cultura Henrique Ordovás Filho), pode-se afirmar que foi brindada com sucesso a segunda edição da “Semana do Livro Nacional”, programação de discussões literárias realizada entre quinta e domingo passados, promovida pelos apaixonados por leitura Samuri José Prezzi, Greice Martinelli e Suzy Hekamiah. Reunindo escritores locais, editores, entidades e grupos voltados à literatura e, principalmente, apaixonados por livros, o evento consolida lugar entre as iniciativas que constroem em Caxias do Sul um cenário pulsante privilegiado no âmbito da arte da escrita.
Uma vez que a literatura, enquanto manifestação artística, traz em sua essência intrínseca a capacidade de representar o mundo e suscitar a reflexão a respeito da existência humana, não poderia ser outro o efeito nos participantes senão o de voltarem para suas casas abastecidos de temas para refletir. Entre vários pontos, estacionei em uma questão levantada por um trio de debatedores que ajudou a abrilhantar a tarde de sábado, quando os jovens escritores César Filho, Fernando Bins e Suzy Hekamiah debateram o tema “Literatura Gótica e de Terror”. Conforme compartilharam com o público, um dos maiores desafios que se impõem hoje aos autores de histórias de terror é como causar genuinamente a sensação de medo nos leitores, uma vez que vivemos em um mundo em que o horror e o espanto são causados pelo próprio cotidiano da vida real?
Boa e pertinente pergunta. Como competir com a realidade? Como conceder a vampiros, lobisomens, múmias, mortos-vivos, fantasmas e demônios o poder de voltarem a arrepiar as penugens de nossos pescoços quando os calafrios nos são provocados diuturnamente pela ação de corruptos de todos os naipes que desviam verbas públicas destinadas à saúde e à alimentação para seus próprios bolsos, ou de criminosos que destroem o futuro de gerações traficando drogas cada vez mais letais, ou de assassinos transtornados pelo crack que nos espreitam na chegada de casa dispostos a matar a troco de qualquer coisa que lhes sustente o acesso ao vício, ou do descompromisso de autoridades que deixam as estradas se transformarem em ciladas esburacadas a ceifarem as vidas das famílias e dos trabalhadores e muitos outros monstros e atos monstruosos que se acotovelam nos noticiários da vida real todos os dias?

Quem diria, mas Frankenstein e Drácula, no século XXI, se tornaram brincadeira de criança.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de julho de 2014)

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