segunda-feira, 2 de junho de 2014

Senhor, eu?

Tenho uma boa notícia a dar aos meus leitores. Cheguei à conclusão de que a velhice não existe. Existe, sim, o passar ininterrupto dos anos. Existem as limitações que vão se impondo sobre o corpo. Existe o acúmulo de experiências, de frustrações, de alegrias, de descobertas, de percepções, de emoções, de perdas e de ganhos. Mas essa coisa de velhice, por si só, não existe, podem respirar aliviados.
Cabelos brancos invadindo a cabeça? Sabedoria acumulada, apenas isso, e podem ir respeitando aí e chamando de “senhor”, que é bom, obrigado. E, se possível, também cedendo o lugar no banco, isso, muito gentil, rapazinho, fez bem. Falta de fôlego? Pernas pesadas? Bem, bem, não precisamos ser todos atletas, e para que a pressa, não é mesmo? Há tanto a saborear na mansidão do mover-se, coisa que só aprendemos depois de muito tempo vivido. Vista fraca? Não quer dizer nada, eu usava óculos desde os cinco anos de idade, antes mesmo de ser alfabetizado.
Não, não, a velhice não existe. Ao menos, não existe para nós. Para os outros, sim, claro, a gente se depara com velhos todos os dias, por todos os lugares. Nossos avós eram velhos. Nossos pais vão ficando velhos. Até nossos ídolos envelhecem. Nós, não. Que bom, mas conosco isso não acontece. “Velho”, já dizia alguém, “velho é toda a pessoa que tem 15 anos a mais do que nós”. Verdade. Como eram velhos meus tios de 30 anos de idade quando eu os via do alto dos meus adolescentes 15. Como pareciam velhos os professores de 40 na faculdade de meus vinte e poucos. Nos meus 30, velhos eram os de quase 50. Agora, vejam só: quase 50 tenho eu, e não sou nada velho. Ou seja, comigo, não acontece. E se não acontece comigo, então, não existe.
O que existe é o olhar embaçado e deturpado de alguns jovenzinhos de vinte e poucos que insistem em me chamar de “senhor” e não escondem a cara de espanto quando descobrem que gosto é de rock and roll e que andam querendo me oferecer seu lugar no banco com medo de que eu me canse se ficar muito tempo em pé. Só porque tenho cabelos brancos e pelo menos (por baixo) 15 anos de idade a mais do que eles. Velhos são os pais deles, de trinta e poucos. Os avós, de cinquenta e tantos.

Eu, aqui, com meus 47 e uma floresta de cabelos brancos, não sei o que é velhice, ou juventude, ou adolescência ou maturidade. Eu sou eu mesmo todos os dias, simplesmente isso. Velhice não existe. Tá, tá, só não me convidem para um rolezinho pelo shopping, que não é minha praia. Nesse caso, vou preferir mesmo as pantufas e o chambre, sabe?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de maio de 2014)

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