segunda-feira, 30 de junho de 2014

O pega-varetas

É no dia-a-dia e nas atividades mais prosaicas do cotidiano que vamos detectando a importância de termos tido destreza em algumas das brincadeiras mais inocentes da longínqua infância. Não canso de admirar, por exemplo, todos os dias, a inacreditável habilidade que minha esposa apresenta no momento de lavar a louça e ir moldando uma cada vez mais alta e periclitante pilha de utensílios sobre as limitadas dimensões do escorredor. É surreal.
Os pratos e potes vão servindo de base para a estrutura toda, que vai sendo edificada em camadas com a chegada posterior dos coadores, das panelas, das tampas das panelas. Pelos lados, vai surgindo um cerco semicircular de xícaras e copos emborcados, por sobre os quais passam a repousar, provocando os efeitos da lei da gravidade, o ralador de queijo, as frigideiras, o abridor de latas. Paralelamente a isso, o espaço destinado aos talheres, disposto na horizontal em nosso escorredor, também vai formando uma pilha à parte, em um entrevero de colherinhas, colheronas, garfos, facas, facões, que, se você puxar um deles errado, vem-se abaixo a torre toda e aí, criatura, será um deus-nos-acuda.
Mas o desastre jamais acontece, porque ela tem esse dom raro de saber equilibrar a coisarada toda sem que despenque sequer uma colherinha de chá, daquelas miudinhas. E olha lá a tampa da panela de pressão, que se equilibra exibida no topo da pilha toda, radiante ali como se fosse uma estrela de Belém no alto de um pinheirinho de Natal. E tudo isso sabe devido a quê? Pois explico: minha esposa era expert em fazer castelos de cartas de baralho, na infância. Foi ali, em Uvanova, naquelas longas tardes serranas, comendo polenta brustolada, que ela desenvolveu a técnica e a habilidade de empilhar sem deixar cair, que agora lhe são tão úteis para a harmonia (e a assepsia) de nosso lar.
E eu, sabe onde é que entro na história? Eu sou o cara que consegue, mais tarde, desmontar a pilha toda para guardar a louça seca, sem derrubar nadica de nada. Vou tirando as peças uma a uma e a pilha mantém-se sempre sólida, inderrubável. Como consigo isso? Simples: é que fui também eu, na infância em Ijuí, um ás no jogo de pega-varetas. Cada varetinha removida na infância sem mexer na pilha geral das varetas representa hoje uma xícara retirada da pilha de louça sem derrubar nada.

Então fica a dica, gurizada: larguem um pouco o computador e as xbox e vão lá empilhar cartas e jogar pega-varetas, se quiserem ter, no futuro, um casamento harmonioso. Bom... isso se no futuro, em uma vida cada vez mais virtual, continuar existindo louça que quebre, vai saber, também...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de junho de 2014)

Nenhum comentário: