sexta-feira, 27 de junho de 2014

Fome, só por bola

Jamais. Jamais uma mordida de um ser humano em outro será justificável. A não ser em casos em que a prática esteja inserida em um contexto de demonstração de afeto, aquela coisa “mordidinha carinhosa”, que os casais apaixonados bem conhecem. Mas é só. Fora isso, uma pessoa atracar a dentadura no corpo de outra é crime de lesa civilização. E se mordeu, precisa responder pela consequência de seu ato canibalístico.
Essa é a discussão que se impôs desde a tarde de quarta-feira, quando percorreu o mundo a imagem do jogador uruguaio Luis Suárez cravando os caninos no ombro do italiano Chiellini, em partida da Copa do Mundo que despachou a seleção italiana de volta para a bota europeia. Além da humilhação da má performance do escrete tetracampeão mundial, Chiellini leva de volta na bagagem as marcas da dentadura do uruguaio tatuadas em seu ombro. Lamentável. Pior quando se fica sabendo que Suárez é reincidente na prática da mordida nos adversários dentro das quatro linhas. Em não havendo punição exemplar, estará aberta a porteira para o futebol ir se tornando uma disputa entre rottweilers e pittbulls... ganha quem morde mais. Ruim, hein?
O boxeador Mike Tyson também entrou para os anais do esporte maculado por bocanhadas ao cravar os dentes na orelha de Evander Holyfield no ringue em 1997. Cena dantesca, melhor nem ser lembrada. Nada disso se justifica. Meu afilhado de dois aninhos, dia desses, foi mordido por um coleguinha dele na escolinha, no dia em que todos deveriam levar brinquedos de casa e emprestá-los entre si, para irem aprendendo a noção de partilhar. Meu afilhado levou um cavalo garboso e o tal coleguinha quis adonar-se dele. Meu afilhado quis proteger a propriedade de seu cavalo e levou do coleguinha mordida nas costas. Mas são crianças, o episódio faz parte do processo de aprendizado, apesar de também precisar ser imediatamente identificado e coibido.

Eu já tinha uns bons duns dez anos de idade quando cravei meus dentes com toda a força do mundo nos dedos do dentista que enterrava uma broca malvadíssima dentro de uma cárie em um dente meu, naquelas cadeiras de dentistas sem anestesia dos anos 1970, em Ijuí. Lacrei a boca e meti-lhe a dentadura, para que ele provasse da dor que estava me causando. Foi mal, lembro da marca dos meus dentes nos dedos gorduchos dele, e da cara de apavorado que fez. Eu não devia ter feito isso, e nem serve de exemplo para nada. Cravar os dentes não é civilizado, a não ser para degustar um hambúrguer ou uma costela bagual. Ademais... que gosto ruim a orelha do Holyfield, o ombro do Chiellini, o dedo do meu dentista... As costinhas do afilhado... bom... ele é fofo... até eu morderia... É o único caso justificável.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de junho de 2014)

Nenhum comentário: